Anatália Mendes Ferreira, 18 anos, teve uma crise epiléptica e morreu afogada numa poça de meio metro
Perla Ribeiro
Já são cinco as vítimas fatais da cheia do Rio São Francisco na Bahia, sendo três delas ocorridas no município de Malhada, a 902km da capital baiana. A mais recente delas foi Anatália Mendes Ferreira, 18 anos, que morreu no sábado à noite, depois de cair em uma poça d’água, a menos de 20m de casa, na Rua Grande, na comunidade quilombola de Parateca. A família suspeita que ela tenha sofrido de uma crise epiléptica enquanto tomava banho com as amigas, sob os cuidados da avó, a aposentada Maria Ferreira Magalhães. Na poça de profundidade estimada em 0,5m, elas se banhavam sentadas e, só na hora de ir embora, deram por falta da garota. Em poucos minutos, a retiraram da água, cansando, gritando, babando sangue e com as mãos roxas. A família supõe que a adolescente não tenha ficado mais que três minutos com o corpo submerso. Ainda assim, fizeram respiração boca a boca, mas a adolescente não resistiu e morreu a caminho do Hospital Municipal São Geraldo, em Malhada.
O corpo de Anatália, que era criada pela avó, foi enterrado às 9h de ontem no Cemitério de Parateca. Só então dona Maria Ferreira Magalhães pôde compreender o sonho do marido, que está em tratamento em São Paulo, e dias antes contou por telefone que sonhara com uma multidão na porta de casa. Era toda a comunidade de Parateca que se reuniria ontem para dar o último adeus a Anatália, a menina que só vivia com sorriso no rosto, adorava ir para a igreja e não escondia o imenso prazer de viver. O rosto era marcado por cicatrizes, fruto das quedas durante os ataques epilépticos, mas nem isso a impedia de ser feliz. “Ela tinha uma alegria de viver maior do que a da gente que não tem problema”, contou a prima, a agente de saúde Arlene Ferreira, 23 anos.
Seguindo o tratamento, Anatália tomava diariamente mediação controlada. Um deles, era o Gardenal. Entretanto, nem isso impedia que os ataques fossem constantes. Foram as freqüentes crises que levaram a adolescente a abandonar os estudos na 5ª série. “As crises eram mais comuns quando ela ficava preocupada. Ultimamente, a preocupação dela era de que tivesse que deixar a casa em função da cheia”, conta a prima, referindo-se a uma preocupação comum a todos da região.
Apreensão - A previsão de continuidade das chuvas em Minas Gerais tem deixado apreensivas as famílias ribeirinhas do médio São Francisco. A situação dos municípios já está no limite, com milhares de famílias desabrigadas, e não há perspectiva para a vazão começar a baixar. Em Malhada, por exemplo, enquanto as autoridades sinalizam que seria necessário baixar em 1m o nível do rio para a situação melhorar, de anteontem para ontem, a vazão diminuiu em 1cm. Depois de mais de uma semana de chuva ininterrupta, o tempo melhorou há três dias, mas a população suspeita que a semana vai começar com mais chuva. No próximo domingo, completam dois meses que o prefeito, Anselmo Boa Sorte, decretou situação de emergência.
De lá para cá, o município contabilizou três das cinco vítimas fatais da cheia do Velho Chico, quase quatro mil pessoas desabrigadas, 190km de estradas vicinais parcialmente destruídas. Os 4,5km que ligam o distrito de Canabrava a Malhada, por exemplo, estão completamente tomados pela água. A BR-030, que liga Malhada a Guanambi, também foi interditada. “Veio gente do Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transporte (Dnit) esta semana e a empresa contratada para recuperar os 13km de estrada afetados já colocou as máquinas no local”, informou o secretário de Agricultura de Malhadas, José Castor.
Hoje começam a ser distribuídas as 620 cestas básicas enviadas pela Secretaria Nacional da Defesa Civil para o município. Somam-se ainda outras 200 de um total de 500 adquiridas pela prefeitura na semana passada. “As 300 foram distribuídas na sede mesmo, às 50 famílias atingidas pela cheia”, informou Castor. Os desabrigados de Malhada estão distribuídos por três escolas e um centro de catequese da Igreja Católica. “A gente espera que o rio volte logo ao normal, mas a continuidade das chuvas em Minas só faz nos preocupar”, completa o secretário de Agricultura.
***Preocupação é cada vez maior
Em Serra do Ramalho, a situação não é menos preocupante. A cidade, que foi planejada para abrigar assentados e compreende 20 pequenos distritos, já soma quase duas mil famílias atingidas pela cheia. Entre as comunidades mais atingidas, estão Capão Preto, Curral Novo, Caldeirão e as ilhas de Palma, Grande, da Boa Vista, do Campo Largo, do Bambu, do José da Silva e do Cigano. “As ilhas inundaram todas, não tem mais ninguém. O governo do estado mandou 800 cestas básicas, mas foram poucas. As Voluntárias Sociais prometeram mandar sopão, mas até agora não chegou nada. As famílias já estão passando necessidade”, diz o prefeito Carlos Caraíbas de Sousa.
Tendo como fonte de renda a pecuária e a agricultura de subsistência, as famílias já perderam 100% da produção e tiveram que transportar os animais para impedir que eles também fossem tragados pelas águas da cheia. O prefeito estima ter transportado 30 mil cabeças de gado e uma perda de cinco mil animais. “O pior de tudo é saber que estamos sujeitos a perder muito mais, caso o rio continue enchendo”, avalia o prefeito de Serra do Ramalho. Em Bom Jesus da Lapa, as 1.500 famílias desabrigadas da cheia receberam ontem a visita do governador Jaques Wagner, que foi até as creches onde estão os desabrigados e os povoados mais afetados pela cheia. “Ele viu a situação que a gente está vivendo e o drama de uma das famílias”, contou o prefeito, Roberto Maia.
Fonte: Correio da Bahia
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