Por: Reinaldo Azevedo (Primeira Leitura)
Diogo Mainardi, colunista da Veja — ou “Diego”, como a ele se refere José Dirceu —, decidiu interpelar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Justiça. Fez bem. Dado o descalabro que tomou conta do país, nunca ninguém ousou chamar Lula de “bandido”. O mais perto que a linguagem policial chegou do Excelentíssimo foi por intermédio do procurador-geral da República, segundo quem 40 pessoas do entorno presidencial, muitos deles seus amigos de copa e cozinha, formaram uma “quadrilha”, organizaram-se em “bando”, para assaltar os cofres públicos.
Já o presidente parece ter “menas” moderação do que a mídia. Reagindo a uma reportagem de Márcio Aith e a uma coluna de Diogo Mainardi, disse o Excelentíssimo: “Não sei se o jornalista que escreve uma matéria daquelas tem a dignidade de dizer que é jornalista. Poderia dizer que é bandido, mau caráter, malfeitor, mentiroso”.
A reportagem dava conta de que Daniel Dantas havia contratado a Kroll para investigar autoridades do governo. Na esteira de tal investigação, surgiram números de supostas contas secretas de figurões da República no exterior, uma em nome de Lula. A revista não comprou a versão. Relatou o que era o resultado da bisbilhotagem. Na edição da reportagem, publica-se uma entrevista de Diogo com Dantas em que o banqueiro revela que Delúbio Soares lhe pediu alguns milhões de dólares. Mais: afirma que houve uma “sincronia” entre a solução de demandas suas no governo e a contratação de um advogado que é amigo de Dirceu.
Nem Lula nem o PT contestaram Dantas. Ao contrário. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, encontrou-se com ele na casa de um senador, Heráclito Fortes. Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais (o que será isso?), disse que Bastos mantivera com o empresário um “encontro institucional”, o que é, para dizer pouco, um enigma. Vá lá: Bastos, investido do cargo, poderia representar o Estado brasileiro e a Presidência da República. São instituições. Mas e Dantas? Deve ser a primeira vez na história em que alguém, na prática, sugere que o governo praticou extorsão e, em vez de um processo, ganha um lero-lero “institucional”.
Mainardi, vejam vocês, teve a ousadia, “neste país”, de interpelar o presidente da República. Já que o digníssimo se referiu ao conjunto dos textos de Veja tendo chamado seus autores de “bandidos” e “malfeitores”, é justo que venha a público dizer a quem estava se referindo. Que eu saiba, Diogo não rouba nem banana com Neston de seu caçula ou bolacha recheada do mais velho. Aith tampouco. Aliás, são jornalistas que não se empenham em roubar nem um pouquinho da caridade do petismo dominante na imprensa brasileira para se mostrar simpáticos às esferas influentes de opinião.
Lula não se dá bem com esse tipo de “mau-caráter”. Talvez prefira aquele que gosta de prestar servicinhos ao poder em troca de notinhas exclusivas.
A ação é movida pelo colunista da Veja. Até agora, o interpelado não respondeu. Fazendo-o ou não, o “querelante” (é você, Diogo, hehe...) pode dar seqüência à ação, insistindo para que o presidente seja responsabilizado civil e criminalmente pela agressão. Sua defesa vai tentar argumentar que ele não se referia a ninguém em particular, nem a Diogo nem a Aith... Bem, então teria sido a quem? Ao conjunto dos jornalistas? Só aos jornalistas de Veja? Apenas àqueles que não lhe fazem as vontades?
Interessante a ação. “Nunca antes neste país” se havia tratado este presidente como alguém responsável por aquilo que faz e fala. É protegido por uma bolha de inimputabilidade que vai da aritmética (sempre joga os números que lhe dá na telha) à política, desferindo golpes para todos os lados. É visto pelos jornalistas à moda como ele próprio vê os bandidos do PCC: segundo o Demiurgo, quando crianças, os pobrezinhos não tiveram a atenção merecida. Na cabeça do jornalismo, o petista é um “Marcola da sociologia”: como sua mãe nasceu analfabeta (uma fatalidade!), tudo lhe é facultado. O colunista, apropriadamente, lembrou que o homem tem, sim, suas responsabilidades. Ele não pode tudo. Nem tudo lhe é permitido.
Mas vá lá: digamos que Diogo roubasse banana amassada com Neston de seu caçula e bolacha de chocolate de seu mais velho. O Menas poderia ter com ele a tolerância que tem com os “quadrilheiros” da casa. Dia desses, Ricardo Berzoini, presidente do PT, disse que os ditos-cujos, que estão disputando eleições, merecem ser “julgados pelo povo”. Urna, na era petista, virou tribunal criminal. Faz sentido. O mensaleiro que for reeleito está absolvido. Não é possível que quem tunga dinheiro público, faz caixa dois (“coisa de bandido”, segundo Bastos) e superfatura contrato de estatal mereça palavras mais doces de quem pode, no máximo, roubar papa de bebê.
Estou curiosíssimo para saber a quem Lula se referia. Diogo não deve estar menos, uma vez que até moveu uma ação para ter direito a essa iluminação. Se Lula quiser, pode me chamar como testemunha contra o colunista da Veja: eu acuso Diogo de ter roubado o papel que cabia ao jornalismo político e de ter evidenciado com quantos puxa-sacos se constrói uma farsa de Luís Bonaparte. Eu o acuso de integrar um grupo de três ou quatro pessoas e veículos que ousaram, precocemente, desafinar o coro dos contentes.
[reinaldo@primeiraleitura.com.br]
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