domingo, maio 21, 2006

Texto de Marilene Felinto sobre o PCC

O texto foi escrito logo após a mega-rebelião de 2001, que nem chega aos pés dos acontecimentos atuais. O artigo, por ser de uma atualidade gritante e por falar de problemas que sempre se repetem, merece essa republicação "revista e ampliada" com os fatos atuais.
Primeiro comando da cadeia: Quércia, Fleury, Maluf, Covas A sociedade tem medo: e se aquela horda de milhares de bandidos consegue fugir dos presídios? É a guerra. É a guerra definitiva. Estaremos todos presos em casa, acuados, desarmados. A autoridade constituída não passa de um bando de baratas tontas. A sociedade se sente só. Mas a sociedade é tão cruel quanto o bandido -apenas se esquece disso, faz de conta que o preso e seus parentes estão fora da "sociedade". A sociedade deseja a destruição, a extinção do bandido e de seus parentes. Resta saber quanto por cento da população alimenta esse desejo de que a cavalaria esmague a rebelião como um elefante pisa sobre um inseto, de que o choque atire uma bomba e acabe com aquele amontoado de assassinos pobres, pretos e pardos, com aquela mancha que envergonha o país do Carnaval, do futebol e da "Petrobrax" perante a opinião pública estrangeira. Resta saber quanto por cento da população quer que o crime se perpetue: o crime de manter sob condições desumanas milhares de criminosos que vão ficando cada dia mais perigosos e animalescos -canibais que decapitam companheiros. Resta saber quanto por cento quer direitos humanos para todos, sem exceção. Deu na imprensa estrangeira que o sistema penitenciário brasileiro é a "reinvenção do inferno" -da Febem ao Carandiru. Quem sabe agora -que deu no "The New York Times", no "Washington Post", no "The Guardian" e no "Le Monde" em bloco -a coisa ganhe rumo. É preciso esfregar na cara do cidadão comum as condições a que são relegados os párias sociais, os excluídos de tudo, os presos pobres: é preciso formar filas nos presídios, obrigar cidadãos de classe média e alta a visitar as cadeias fétidas, superlotadas de homens ociosos, os futuros -e impiedosos, e cruéis- assassinos de seus filhos, de seus netos. É preciso que as classes média e alta vejam de perto que tipo de cobras estão criando -que vejam e vomitem até mudar de atitude. A sociedade que não se iluda. As siglas se confundem, o PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa que organizou as rebeliões em série nos 25 presídios e duas cadeias e dois DPs de São Paulo, entre domingo e ontem, é o resultado direto de outra sigla igual, a dos primeiros comandantes das cadeias -aqueles que comandaram o sistema penitenciário nas últimas três décadas em São Paulo: os governadores Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho, Paulo Maluf, Mário Covas. Um comando não existe sem o outro. Um crime não existe sem o outro: o PCC é o crime criado, consequência da omissão, de décadas de irresponsabilidade, da arrogância da Justiça, do crime dos governadores e das autoridades contra os direitos humanos dos presos. A tropa de choque são esses governantes. Os cavalos não são senão a sombra animalizada deles e de nós mesmos -nós que os elegemos e delegamos a eles o autoritarismo político e policial, a corrupção, a desumanidade, a desigualdade. O poder do Estado assenta-se em um consenso de valores e interesses, em nome dos quais ele age. Ponto. "Tá tudo dominado", como diz ironicamente a música. Os líderes e soldados do PCC se comunicam por satélite, por celulares a R$ 500 cada aparelho, têm milhões de reais em caixa, escrevem cartas em código (não se utilizam desse nosso português burguês): PCC = 15.3.3, a posição das letras no alfabeto. "Tá tudo dominado". Para os 16 mortos lá dentro nesses dois dias, serão 150 aqui fora. Eles vão nos matar, porque nós os matamos todos os dias. Ponto. Folha de São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 2001


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