terça-feira, maio 16, 2006

‘A elite não elege ninguém’

Por: Carlos Eduardo Reche (O Popular)

O discurso e as ações voltadas para as classes de menor renda da população brasileira, a despeito da onda de denúncias que atingiu o governo do PT, são a fórmula da vitalidade política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quase um ano depois que surgiu o escândalo do mensalão, afirmam os marqueteiros Carlos Manhanelli e Fernando Lacerda (leia perfis no quadro). Em passagem por Goiânia para ministrar um curso sobre estratégias eleitorais e marketing político, Manhanelli e Lacerda disseram nesta entrevista ao POPULAR não acreditar no surgimento de candidatura alternativa ao PT e ao PSDB com possibilidade real de vitória nas eleições presidenciais deste ano. "Existem dois pólos: o daquele que implementou o Plano Real e aquele que o manteve", diz Manhanelli.
O que explica o fato de, mesmo após um ano de intensas
denúncias, o presidente Lula continue favorito à reeleição?
Manhanelli - Essa é uma fórmula usada chamada de blindagem. Apaga-se, o ator principal e pega-se um secundário e desaguando nele toda as mazelas. Assim está se preservando esse ator principal. São Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do PT), (o deputado cassado e ex-ministro José) Dirceu, Silvio Pereira (ex-secretário-geral do PT), (ex-presidente do PT, José) Genoino. Cada escândalo que acontecia, jogavam sobre um deles. As pesquisas mostram hoje que, enquanto a credibilidade do PT está em torno de 48%, a de Lula, (está) em 70%. Porque ele dissociou a imagem dele da imagem do partido para fazer essa blindagem.
Lacerda - É preciso levar em consideração também que o povo esquece muito rápido dos acontecimentos, o que é um dos fatores que explicam (a dissociação). Cerca de 75% do eleitorado têm até primeiro grau incompleto. E Lula veio do povo para comandar o povo. Isso muda completamente e a blindagem foi fundamental. Agora mesmo, essa declaração de Silvinho, desmentiu praticamente tudo. Vai continuar desse jeito: joga (contra o Lula) e não gruda.
Manhanelli - O que o Silvinho fez agora? Voltou a lembrar isso: "Eu fui uma das peças usadas para blindar o presidente, não se esqueçam de mim".
Lacerda - A própria oposição correu para que ele fosse à CPI rapidamente para tentar evitar essa blindagem. Mas eles (os governistas) foram mais rápidos.
A clássica pergunta "Lula sabia?" também foi
aproveitada como estratégia de marketing político?
Manhanelli - Vou fazer uma pergunta que vai fazer com que se entenda como é que funciona a cabeça das classes menos favorecidas do País: Você acredita que o Pelé sabia que o filho dele era traficante de drogas, diante de tudo o que pregou na vida? Não, não é? Então, o Lula também não sabia.
Os senhores diriam com segurança que o debate ético envolvendo
a questão do mensalão não vai ser o carro chefe da campanha?
Manhanelli - Como o Fernando já falou, o Lula está usando o discurso de que emerge do próprio povo para governar o próprio povo. Ele diz: "A elite não suporta que eu, que venho do povo e sou igual a vocês, seja presidente da República. Sou tão honesto como você, passei fome como você". Então, se for defenestrado, é como se toda essa classe baixa também fosse. Esse discurso blinda Lula contra qualquer ataque moral, não ataque ético, mas o moral.
Lacerda - E é essa população menos favorecida que elege o presidente - porque a elite não elege ninguém. E ela quer Lula (reeleito). Em praticamente todas as suas aparições, Lula faz o discurso é da Bolsa Família, dos 4 milhões de carteiras assinadas diante de 700 mil do Fernando Henrique em oito anos de mandato... E é um povo que esquece (os escândalos de corrupção) porque vai dormir e acorda cedinho e não vê programa eleitoral, não lê jornal. Então, quando (a oposição) bate, o bolo cresce do outro lado.
Se o debate ético não pega, PT
e PSDB vão acabar levados à
discussão da política econômica?
Manhanelli - Os números corroboram com o que a população recebe diretamente. Se estou recebendo o Bolsa Família e os números correspondem, ótimo, é porque estou recebendo. Se os números estivessem ruins, eu não estaria recebendo a Bolsa. Então ele está dizendo a verdade. É assim que a coisa acontece.
Lacerda - É o caso do salário mínimo. Quem ganha eleição para um candidato são as populações beneficiadas com aumentos no salário mínimo. Quando o Collor deu o tiro dos 50 mil (cruzados novos, no confisco das cadernetas de poupança, em 1990), atingiu a quem? A cerca de 20% da população, porque o restante foi beneficiada de fato com a redução da inflação.
Manhanelli - Hoje existe uma relação muito íntima entre o voto e o sentimento pessoal do eleitor. A população de classe mais baixa tem uma sensação de melhora: o aumento do mínimo, a Bolsa Escola, a Bolsa Família, etc., e no próprio ambiente em que está vivendo.
Lacerda - O eleitor está primeiro carente de atenção, quer participar da eleição. Ele também é bairrista, quer saber o que vai acontecer em frente à casa dele para melhorar sua vida diretamente. E ele quer levar vantagem em alguma coisa. A eleição vai ser ganha no boca à boca e na emoção.
Que armas de combate a oposição a Lula poderia usar contra ele?
Manhanelli - Essa crise do gás, por exemplo, não vai atingir Lula. O eleitor pobre não tem indústria nem carro a gás, que podem ser atingidos diretamente pela falta do gás.
Lacerda - O que pode provocar algum efeito é em relação a essa questão do gás e do (presidente da Bolívia) Evo Morales, é o apelo ao desgaste da imagem do Brasil lá fora.
Um instituto de pesquisa indicou recentemente que o chamado grau de permissividade, o "jeitinho brasileiro" pode explicar em parte essa dissociação.
Manhanelli - Não acredito. Meu partido, meu político, meu deputado têm de ser moralmente ilibados. Eu posso roubar, matar... Ele não, tem de preservar a moral, os bons costumes, etc. Na prática, esse grau de permissividade, a ética, vai até onde vai a sua necessidade.
Ainda que os números corroborem com os programas, a propaganda?
oficial parece falar de um mundo fantástico que não existe na prática.
Manhanelli - Ela não está falando para você, mas com aquele cara que saiu da favela e hoje está num Cingapura da vida. Alguém que tinha, até ontem, rato dormindo junto ao filho dele e hoje tem um endereço. Você sabe o que é ter um endereço? E as pesquisas mostram isso.
Lacerda - Na última palestra em que estivemos, em Mossoró, lá estava José Dirceu. De uma hora de palestra, 45 minutos ele gastou falando de um país que não existe e os 15 minutos restantes, fazendo propaganda do Lula. É o caso do Garotinho. Das quatro necessidades que as pesquisas mostram que a população quer, ele tem três: família, credo - independente de qual seja -, a comunicação, fala bem ao povo.
Lula está com o discurso no caminho certo e tem de segui-lo?
Manhanelli - Deve. O plano estratégico dele deve derivar disso. Nas entrelinhas vai acontecer que, aquele que recebe os R$ 60 por mês do Bolsa Família vai acreditar que o Brasil cresceu muito. Ele não recebia nada antes. Contra fatos como esses, não há argumentos. O povo brasileiro é um povo cordato, ordeiro. Na Argentina, você não consegue fazer isso, porque o povo vai às ruas, protesta.
Lacerda - A questão básica é a educação. O investimento em educação foi igual a zero. Daí o fato de a população esquecer dos acontecimentos (escândalos).
É de Garotinho a afirmação de que existe uma falsa
polarização entre PT e PSDB. Se Lula e o candidato
do PSDB, Geraldo Alckmin (SP), são idênticos, por
qual caminho deve se orientar uma possível terceira via?
Lacerda - As políticas econômicas de Lula e de Fernando Henrique foram idênticas. Você corta a taxa de juros pela metade e ela ainda é a mais alta do mundo. Portanto, essa alternativa de discurso poderia até funcionar.
Manhanelli - Uma campanha eleitoral tem de respeitar o momento político-eleitoral em que o País vive. Acredito que o momento não é propício para uma terceira via. Não existe um caminho para uma alternativa. Existem dois pólos: o daquele que implementou o Plano Real (PSDB) e aquele que o manteve (PT).
Isso vale também para as eleições nos Estados?
Manhanelli - Não. Essas são realidades completamente diferentes. São os momentos sociais, políticos e econômicos do País, dos Estados e dos municípios. Vai depender do respeito pela situação de que cada um está passando. Se amanhã encontrarmos um poço de petróleo em Goiânia, a conjuntura política muda completamente, como num trocar de camisa.
Lacerda - De fato, a própria mídia não vê isso, essa alternativa, porque se visse, certamente já a teria abordado.
Manhanelli - Haveria a possibilidade de uma terceira via se houvesse uma mudança profunda e drástica. A menos, por exemplo, que o Lula faleça. Daí a situação mudaria completamente.

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