
Após ser preso, Heleno lembrou (?) que tem Mal de Alzheimer
Bernardo Mello
O Globo
A historiadora Martina Spohr aponta que a prisão de militares pela trama golpista impacta de forma “complexa” as Forças Armadas. Em entrevista ao O Globo, a professora adjunta da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC afirma que o “julgamento é impulso para reformular o pensamento de defesa”.
Como a prisão de um militar como o general Heleno, que foi o primeiro chefe da missão da ONU no Haiti, impacta as Forças Armadas?
Vai ser complexo, porque a prisão atingiu o “crème de la crème” das Forças; não são referências só operacionais para os militares, mas também intelectuais. Heleno foi ajudante-de-ordens do Sylvio Frota, da linha dura da ditadura, e instrutor da Aman, que é um dos principais centros de pensamento estratégico-militar do país. Além da prisão, a tendência é de que eles percam as patentes, e isso vai reverberar para o bem e para o mal.
Como assim?
Haverá revolta de alguns que tentarão defendê-los, entendendo como uma injustiça. Mas é também um impulso para se pensar numa reformulação do pensamento estratégico de defesa do Brasil, que é algo que precisa existir, mas de forma atualizada. As escolas militares ainda estão voltadas para uma doutrina anticomunista, um cenário de Guerra Fria que, além de desconectado da realidade, é muito usado como ferramenta de repressão, na lógica de enfrentar “inimigos internos”.
Qual é o simbolismo da ida de militares de alta patente para o regime fechado?
A Constituição prevê que eles cumpram pena em unidades militares das Forças às quais pertencem, por isso não são prisões comuns. Mas o fato de terem sido julgados pela Justiça comum é muito relevante, porque na maioria das vezes os militares foram julgados por seus pares na Justiça Militar. Mesmo com provas, nunca houve antes um processo legal de punição efetiva a militares que se envolveram em movimentos, bem ou malsucedidos, de tomada do Estado.
A fartura de provas no julgamento desta tentativa de golpe diferencia o momento atual de outros no passado?
Sempre há uma produção material bastante grande em tentativas de golpe, mas o acesso a essas informações é maior nos golpes que não deram certo. No caso atual, um adendo é como a tecnologia constrói essa materialidade. Para o Judiciário, os grupos de WhatsApp geram provas de crimes. Para o historiador, fornecem indícios para reconstruir todo esse processo de golpe.
E qual é a importância dessas informações para o futuro?
Espero que essas condenações mudem a visão que se tem, e não só entre militares, das Forças Armadas como um “poder moderador”, algo presente no discurso do bolsonarismo. Historicamente as Forças foram vistas e utilizadas por determinados atores como braço armado para implementar projetos políticos no Brasil. Por isso é importante não cair no erro de tratar o caso atual como mera “quartelada”, como algo improvisado por meia dúzia.
Foi mais do que isso?
O golpe não deu certo porque não teve todo o suporte necessário nas Forças, diferentemente de 1964, quando todos os que lideravam tropas se colocaram a favor. Mas não foi simplesmente uma tentativa de impedir Lula de assumir a Presidência: por trás da minuta do golpe, havia uma tentativa de mudar o regime brasileiro, e esse tipo de projeto não deixa de existir com as prisões de alguns.