Operação Transparência apura suspeitas sobre emendas parlamentares e mira assessora ligada ao deputado Arthur Lira; PF fez buscas na Câmara dos Deputados

A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira (12/12/2025) a Operação Transparência, autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar suspeitas de irregularidades na destinação de emendas parlamentares. O foco da investigação é a atuação de Mariângela Fialek, conhecida como Tuca, assessora ligada ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), apontada em depoimentos como responsável pela operacionalização de emendas sob suposta orientação direta da antiga presidência da Casa.
Na decisão que autorizou busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico e telemático e o afastamento de Mariângela Fialek de atividades relacionadas a emendas, o ministro Flávio Dino destacou a existência de fortes indícios de atuação coordenada para o direcionamento indevido de recursos públicos. Segundo o magistrado, mesmo após a mudança no comando da Câmara, a assessora permaneceu exercendo funções estratégicas, o que reforçaria a necessidade de aprofundamento das investigações.
A apuração se apoia em quebras de sigilo anteriores, além de depoimentos prestados por parlamentares de diferentes partidos, como José Rocha (União Brasil-BA), Glauber Braga (PSOL-RJ), Adriana Ventura (Novo-SP), Fernando Marangoni (União Brasil-SP), Dr. Francisco (PT-PI) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). A Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se favoravelmente à operação, afirmando haver elementos consistentes que indicariam possível prática de crimes contra a administração pública e o sistema financeiro.
De acordo com a Polícia Federal, os fatos investigados envolvem suspeitas de peculato, falsidade ideológica, uso de documento falso e corrupção, no contexto da execução de emendas parlamentares, especialmente aquelas classificadas como emendas de comissão, que passaram a ganhar protagonismo após a extinção das emendas de relator pelo STF.
Depoimentos relatam pressão política e falta de transparência
Um dos principais depoimentos citados nos autos é o do deputado José Rocha (União Brasil-BA), ex-presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional. À Polícia Federal, ele afirmou que recebeu minutas de ofícios e planilhas já prontas para assinatura, encaminhadas por Mariângela Fialek, com indicações de destinação de mais de R$ 1,1 bilhão em recursos, sem identificação de autores, objetos ou beneficiários.
Rocha relatou ainda ter retido parte das planilhas após identificar valores elevados sem detalhamento, incluindo uma lista que previa R$ 320 milhões destinados a Alagoas. Segundo o parlamentar, a decisão teria provocado reação do então presidente da Câmara, Arthur Lira, que teria feito ligações cobrando a liberação dos recursos e mencionado a possibilidade de destituição da presidência da comissão.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) corroborou o relato, afirmando que as listas priorizavam interesses políticos ligados a Lira, reproduzindo a lógica do chamado orçamento secreto, com concentração de poder decisório fora dos colegiados formais. Outros depoimentos apontam que a destinação das emendas não era debatida nas comissões, sendo definida por decisões “de cima”, sem transparência ou deliberação coletiva.
Defesa nega irregularidades e afirma atuação técnica
Em nota, a defesa de Mariângela Fialek, assinada pelos advogados Luís Inácio Lucena Adams e Maria Claudia Bucchianeri, afirmou que a assessora nunca praticou irregularidade funcional ou criminal. Segundo os advogados, sua atuação sempre foi estritamente técnica, apartidária e impessoal, limitada à organização das informações sobre emendas, conforme decisões da Presidência da Câmara e do Colégio de Líderes.
A defesa sustenta que todo o material de trabalho é público e que as informações sobre indicações de emendas são encaminhadas à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e publicadas no Portal da Transparência, em conformidade com determinações do STF e com a Lei Complementar nº 210/2024, editada para reforçar regras de publicidade e rastreabilidade.
Arthur Lira não é alvo da operação. Procurado por meio de sua assessoria, o ex-presidente da Câmara não se manifestou oficialmente até a última atualização desta reportagem.
Contexto: emendas de comissão e investigações anteriores
A Operação Transparência se insere em um contexto mais amplo de questionamentos sobre o uso de emendas parlamentares. No fim de 2024, por determinação de Flávio Dino, a Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas, levando à suspensão temporária dos repasses. A medida atendeu a uma representação do PSOL, que apontou manobras para redistribuição de recursos sem aprovação formal das comissões.
Segundo a representação, um ofício assinado por 17 líderes partidários alterou a destinação de 5.449 emendas de comissão, sob o argumento de “ratificação” posterior, sem deliberação colegiada. O documento foi encaminhado ao governo federal e recebeu aval da Casa Civil, ampliando o debate institucional sobre limites entre articulação política e transparência orçamentária.
Quem é Mariângela Fialek: a assessora ligada a Arthur Lira que está no centro de investigação sobre emendas parlamentares
A advogada Mariângela Fialek, conhecida no meio político como “Tuca”, tornou-se um dos nomes centrais de uma investigação da Polícia Federal que apura suspeitas de irregularidades no direcionamento de emendas parlamentares, após ter exercido funções estratégicas na Presidência da Câmara dos Deputados durante a gestão de Arthur Lira (PP-AL) e, posteriormente, na liderança do Progressistas.
Formada em Direito e com quase duas décadas de atuação no serviço público, Mariângela Fialek construiu sua carreira em funções de assessoramento técnico e político em diferentes governos e estruturas da administração federal. Sua trajetória inclui passagens por áreas sensíveis da máquina pública, especialmente ligadas à execução orçamentária e à governança institucional.
Antes de chegar à Câmara dos Deputados, Fialek atuou na Secretaria de Governo da Presidência da República, durante o governo Michel Temer, órgão responsável pela articulação política entre Executivo e Congresso. Posteriormente, integrou o Ministério do Desenvolvimento Regional, sob a gestão de Rogério Marinho, já no governo Jair Bolsonaro, pasta diretamente relacionada à liberação de recursos e políticas de infraestrutura.
Além dessas funções, ocupou cargos em conselhos fiscais de estatais, como a Codevasf e a Caixa Econômica Federal, posições que reforçaram seu conhecimento técnico sobre orçamento público, execução financeira e fiscalização de recursos federais.
Ascensão na Câmara e vínculo com Arthur Lira
O ponto de maior projeção de Mariângela Fialek ocorreu em março de 2021, quando Arthur Lira assumiu a Presidência da Câmara dos Deputados. Na ocasião, ela foi nomeada chefe da Assessoria Especial do Gabinete da Presidência, função considerada estratégica no funcionamento interno da Casa.
Nesse cargo, Fialek passou a atuar diretamente na organização, tramitação e operacionalização das emendas parlamentares, especialmente durante o período em que esteve em vigor o mecanismo posteriormente conhecido como “orçamento secreto”, sistema que permitia a destinação de recursos públicos sem identificação clara dos autores das indicações.
Parlamentares de diferentes partidos relataram, ao longo do período, que Fialek funcionava como braço-direito técnico de Arthur Lira, com influência direta sobre o fluxo de informações e procedimentos relacionados às emendas. Sua atuação era vista como essencial para a engrenagem política que sustentou a base de apoio da Presidência da Câmara naquele ciclo.
Atuação após a Presidência da Câmara
Mesmo após o fim do mandato de Arthur Lira na Presidência da Câmara, Mariângela Fialek manteve posição de relevância. Ela passou a atuar na liderança do Partido Progressistas (PP), permanecendo envolvida na organização técnica das emendas parlamentares e em atividades internas ligadas ao funcionamento legislativo.
Essa permanência reforçou a percepção, dentro e fora do Congresso, de que sua influência não estava restrita a um cargo específico, mas associada a um know-how acumulado sobre os mecanismos de destinação orçamentária, em um ambiente marcado por disputas políticas e questionamentos sobre transparência.
Investigação da Polícia Federal e Operação Transparência
A projeção pública de Mariângela Fialek ganhou novo patamar em dezembro de 2025, com a deflagração da Operação Transparência, conduzida pela Polícia Federal com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). A investigação apura suspeitas de irregularidades no direcionamento de emendas parlamentares, envolvendo possíveis crimes como peculato, falsidade ideológica e corrupção.
Segundo informações divulgadas, a apuração busca esclarecer se houve uso indevido de estruturas administrativas para favorecimento político ou desvio de recursos, especialmente em um contexto posterior às decisões do STF que declararam a inconstitucionalidade do orçamento secreto e determinaram maior transparência na execução orçamentária.
Até o momento, não há condenações, e o caso segue sob investigação, com garantia do contraditório e da ampla defesa.
O papel dos assessores no poder real do Congresso, a continuidade institucional e as fragilidades de controle
O caso envolvendo Mariângela Fialek expõe um elemento estrutural do funcionamento do Congresso Nacional: o papel central dos assessores técnicos na engrenagem real do poder legislativo. Em um sistema marcado por alta complexidade normativa, especialmente no campo orçamentário, esses quadros acumulam conhecimento especializado e capacidade operacional que, em muitos casos, superam a visibilidade e a atuação direta dos próprios parlamentares.
A concentração de saber técnico sobre emendas parlamentares e execução orçamentária cria zonas de poder pouco transparentes, nas quais a fronteira entre decisão política e execução administrativa torna-se difusa. Esse fenômeno foi intensificado durante a vigência do orçamento secreto, cuja lógica rompeu práticas tradicionais de publicidade e controle dos atos públicos, ampliando a margem de discricionariedade dentro da máquina legislativa.
Outro aspecto sensível diz respeito à continuidade funcional de Fialek ao longo de diferentes governos e composições políticas. Embora a estabilidade técnica seja, em tese, um valor da administração pública, o caso suscita questionamentos sobre mecanismos efetivos de controle interno, fiscalização e responsabilização, sobretudo quando estruturas excepcionais passam a operar por longos períodos sem transparência plena.
A investigação em curso tende a produzir efeitos que extrapolam a figura individual da assessora, alcançando o modelo de relacionamento entre Executivo, Legislativo e operadores técnicos do orçamento. Trata-se de uma discussão mais ampla sobre quem exerce, de fato, o poder na gestão dos recursos públicos e sob quais mecanismos de supervisão.
Nesse contexto, a Operação Transparência reacende o debate sobre o grau de concentração de poder na gestão do Orçamento da União e as fragilidades nos mecanismos de controle da destinação de recursos públicos. Os depoimentos colhidos indicam vulnerabilidades persistentes na governança das emendas de comissão, mesmo após decisões do STF que extinguiram o orçamento secreto e impuseram exigências formais de publicidade.
Embora a apuração ainda esteja em andamento e não haja condenações, o caso evidencia uma zona cinzenta entre decisões políticas legítimas e potenciais desvios administrativos, especialmente quando estruturas técnicas operam com elevado grau de discricionariedade e baixa rastreabilidade pública. A reação de parlamentares e o impacto imediato no funcionamento da Câmara demonstram que o tema permanece sensível, politicamente explosivo e institucionalmente delicado.
O desfecho da investigação poderá produzir efeitos relevantes não apenas sobre os investigados, mas também sobre o modelo de execução das emendas parlamentares, influenciando futuras reformas institucionais e o equilíbrio entre Congresso, Executivo e Judiciário no controle do Orçamento público.
*Com informações da Foha de S.Paulo, Estadão, O Globo, Veja, Metrópoles e Agência Brasil.