Tratamento desigual da Câmara abre brecha jurídica que pode reacender disputa sobre cassação automática de parlamentares condenados
Por Cleber Lourenço
A Câmara dos Deputados criou um impasse institucional ao aplicar dois ritos distintos para situações jurídicas idênticas. Quando Paulo Maluf (então PP-SP) foi condenado com trânsito em julgado por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, a Mesa Diretora declarou seu mandato vago. No caso de Carla Zambelli (PL-SP), igualmente condenada, a decisão de Hugo Motta foi submeter o processo ao plenário
O advogado de Maluf, Eduardo Galil afirmou ao ICL que a Constituição não deixa margem para interpretação. “Condenado com trânsito em julgado perde o mandato. Acabou. Não tem nem que julgar pelo plenário”, disse ele, ressaltando que a norma constitucional dispensa qualquer deliberação política.
Segundo o advogado, o contraste entre os dois casos é evidente. “Eles afastaram o Paulo pela Mesa, sem plenário, e agora mandam o caso dela para votação. Dois pesos, duas medidas”, afirmou.
Maluf, já idoso, deixou o mandato e foi diretamente ao cumprimento da pena, enquanto Zambelli, mesmo condenada e presa, continua com o mandato preservado enquanto o plenário delibera.
A estratégia está delineada. Galil diz que não pretende agir antes de a Câmara formalizar sua posição.
“Eu vou esperar a decisão. Quando sair a declaração de que não acataram a decisão do Supremo, eu entro com o pedido”, afirmou o advogado.
Assim que o plenário da Câmara formalizar sua posição sobre Zambelli, a defesa acionará o STF pedindo a devolução simbólica do mandato de Maluf e uma indenização pelo período não exercido.
“Eles vão ter que devolver e indenizar o Paulo pelo mandato tirado de forma irregular”, afirmou.
É nesse ponto que a informação revelada em primeira mão pelo jornalista Otávio Guedes, da Globo News — e confirmada pelo ICL Notícias diretamente com a defesa de Maluf — assume peso político. A divulgação pública da iniciativa expôs a Câmara a um questionamento mais amplo e aprofundou a cobrança por coerência institucional.
Bastidores
Nos bastidores, aliados de Hugo Motta afirmaram ao ICL Notícias que a movimentação de Maluf foi lida como um gesto político com endereço certo: Arthur Lira. Para esses interlocutores, Lira, ainda influente no PP e irritado com Motta desde o desfecho da tentativa de cassação de Glauber Braga, teria visto a ofensiva jurídica como uma oportunidade de pressionar o atual presidente da Câmara. O caso de Glauber, que terminou em suspensão e não em cassação, aumentou o desgaste entre ambos.
A defesa de Maluf nega qualquer atuação coordenada com Lira e sustenta que o pedido tem motivação exclusivamente jurídica. Mas o impacto político é inevitável: ao questionar o rito escolhido para Zambelli, a defesa recoloca no centro do debate a disputa entre Legislativo e STF sobre quem detém a última palavra na perda de mandato de parlamentares condenados.
Se o STF for acionado, terá de enfrentar novamente esse tema sensível e definir, com mais clareza, qual rito deve prevalecer — o constitucional ou o político. Uma decisão poderá obrigar a Câmara a padronizar procedimentos, reduzindo a margem para casuísmos e interpretações convenientes.
Agora, todas as atenções se voltam para a decisão de Hugo Motta no caso Zambelli. O caminho que ele escolher definirá não apenas o futuro da deputada, mas também se a disputa jurídica envolvendo Maluf ganhará força no Supremo e recolocará em debate a própria forma como o Legislativo lida com condenações criminais transitadas em julgado.
