Os vídeos em que o senador Renan Calheiros e o jurista Gustavo Sampaio analisam o projeto de lei da chamada “dosimetria” cumprem um papel fundamental: expõem, com clareza técnica e fundamento constitucional, aquilo que muitos tentam esconder sob o manto da legalidade. O projeto não corrige excessos, não aperfeiçoa o sistema penal e não fortalece a Justiça. Trata-se, objetivamente, de uma tentativa de anistia disfarçada, incompatível com a Constituição da República.
A Constituição é cristalina ao estabelecer a separação dos Poderes. A dosimetria da pena é função típica do Judiciário, exercida caso a caso, a partir da análise concreta das condutas, das provas e da gravidade dos fatos. Quando o Legislativo busca alterar penas de forma genérica, retroativa e com destinatários politicamente identificáveis, ele exorbita suas atribuições e viola frontalmente o texto constitucional.
O contexto não deixa dúvidas. O projeto surge após o julgamento dos responsáveis pelos atos de 8 de janeiro, episódios que atentaram contra as instituições democráticas, o Estado de Direito e a própria soberania popular. Reduzir penas por meio de lei posterior, sob o pretexto de “ajuste técnico”, é negar a gravidade dos fatos e relativizar ataques à democracia.
A aprovação dessa proposta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal revela uma perigosa percepção de onipotência política. Age-se como se o mandato concedesse imunidade moral, constitucional e histórica. Não concede. O mandato é temporário, condicionado e revogável pelo único poder que legitima a democracia: o povo.
É preciso dizer com todas as letras, sem rodeios e sem eufemismos: o eleitor não é figurante do processo democrático, nem massa de manobra a ser ignorada após as eleições. Todo parlamentar ali está por delegação popular, e essa delegação não autoriza legislar contra a Constituição nem proteger quem atentou contra o regime democrático.
Se o Congresso insiste em usar a lei como instrumento de conveniência política, cabe ao eleitor responder dentro da legalidade, da civilidade e da democracia. A resposta é o voto.
Em 2026, o eleitor tem o direito e o dever de realizar sua própria “dosimetria política”: reduzir mandatos, interromper projetos de poder e reafirmar que democracia não se negocia, não se relativiza e não se perdoa por conveniência.
Quem transforma o Parlamento em balcão de proteção política precisa compreender uma verdade inescapável: o voto que concede o mandato é o mesmo que pode encerrá-lo.