
Gesto de Fux surpreendeu integrantes do STF
Pedro do Coutto
Num gesto que surpreendeu até os observadores mais atentos do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux pediu para mudar da Primeira para a Segunda Turma da Corte — um movimento que, embora previsto regimentalmente, carrega forte simbolismo político e institucional.
A decisão veio pouco depois de Fux divergir de forma isolada de seus colegas ao votar pela absolvição de Jair Bolsonaro e de outros acusados de participação em tramas golpistas contra o Estado Democrático de Direito.
VOTO PELA ABSOLVIÇÃO – A mudança de turma, segundo interlocutores do ministro, não tem relação direta com o caso do ex-presidente, mas no contexto em que ocorre, inevitavelmente suscita interpretações. Fux foi o único da Primeira Turma a votar pela absolvição de Bolsonaro, ficando vencido por quatro a um.
Seu voto, visto como contraditório por parte do tribunal, destoou de entendimentos anteriores do próprio ministro em julgamentos relacionados aos ataques de 8 de janeiro. Dentro e fora do STF, o gesto foi lido como uma tentativa de se distanciar de um ambiente onde sua posição se tornou minoritária e desconfortável.
Para advogados da defesa de Bolsonaro, como Paulo Cunha Bueno, a mudança de turma não deve alterar o curso dos processos, já que Fux permanece vinculado aos casos que começou a julgar. O próprio ministro, segundo relatos publicados por O Globo e Folha de S.Paulo, tem dito a interlocutores que continuará participando das análises dos diferentes núcleos da trama golpista — inclusive dos recursos apresentados pela defesa do ex-presidente, condenado a 27 anos de prisão.
PRECEDENTES – O movimento, no entanto, levanta uma questão sensível: até que ponto um ministro pode continuar atuando em processos cuja fase colegiada ainda não foi encerrada, após trocar de turma? Há precedentes, como lembram fontes do Supremo, em que magistrados que pediram vista retornaram a colegiados antigos para votar em casos específicos. Mas a situação de Fux, marcada por divergências de fundo e repercussão pública intensa, tende a ser mais delicada.
Politicamente, o gesto também se projeta sobre o horizonte da Corte, que aguarda a indicação de um novo ministro para ocupar a vaga deixada por Luís Roberto Barroso. O escolhido — nome que deve sair entre figuras próximas a Lula — integrará justamente a Segunda Turma, para onde Fux pretende se transferir. Isso reconfigura não apenas a correlação interna de forças, mas também o equilíbrio de perfis entre os dois colegiados.
GESTO DE AFIRMAÇÃO – Mais do que uma mera troca administrativa, o pedido de Fux soa como um gesto de afirmação — ou talvez de inconformismo — diante de uma Corte que, nos últimos anos, tem reafirmado com vigor a defesa das instituições democráticas. Ao deixar a turma que consolidou a linha dura contra os atos de 8 de janeiro, Fux parece querer reafirmar sua independência, mas inevitavelmente se coloca no centro de um debate que ultrapassa as fronteiras jurídicas e alcança o campo político.
Se a intenção era escapar da tensão, é possível que o ministro tenha conseguido apenas deslocá-la. A mudança de turma, em vez de dissipar as divergências, tende a ampliá-las no imaginário público, alimentando tanto leituras de desconfiança quanto teorias sobre realinhamentos internos no Supremo.
Em tempos de alta temperatura institucional, cada gesto de um ministro carrega peso — e o de Fux, ainda que envolto em formalidades regimentais, revela muito sobre o momento que vive o STF e o país.