
O placar foi de 11 votos pelo arquivamento contra 7 contrários
Luísa Marzullo
O Globo
A Comissão de Ética da Câmara dos Deputados decidiu, nesta quarta-feira, arquivar o processo disciplinar instaurado contra Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por quebra de decoro parlamentar. O placar foi de 11 votos pelo arquivamento contra 7 contrários.
A decisão do colegiado está de acordo com o parecer do Delegado Marcelo Freitas (União-MG), que apresentou uma argumentação a favor da improcedência da denúncia. Após a discussão do tema, o relator defendeu novamente sua posição: “Este Conselho de Ética não pode ser censor de palavras ditas no Brasil ou no exterior. Entendemos que o caso está acobertado pela imunidade parlamentar”, afirmou Freitas.
AUSENTE – O deputado recebeu o link para participar da reunião, mas não compareceu. O presidente do colegiado, Fábio Schiochet (União Brasil-AP), confirmou que ele teria direito a fazer o uso da palavra, mas preferiu não entrar na sessão.
A representação, apresentada pelo PT, acusava o parlamentar de usar o mandato para atacar as instituições democráticas — especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) — e de tentar influenciar autoridades estrangeiras a impor sanções econômicas ao Brasil. Segundo o partido, as declarações de Eduardo teriam “desacreditado o sistema democrático brasileiro” e “exposto o país a constrangimento internacional”, em meio a decisões do STF que atingiram aliados do bolsonarismo.
CASSAÇÃO – No início da sessão, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) apresentou voto em separado pela cassação.”Respeito o trabalho do relator, mas dizer que não há nada a apurar é inaceitável. Este deputado recebe salário para nunca aparecer aqui. Se mantivermos o arquivamento, estaremos dizendo que não há mais ética e decoro no Parlamento brasileiro”, declarou.
Outros parlamentares da base governista, como Maria do Rosário (PT-RS), reforçaram o posicionamento. “Quais são os deveres de um deputado federal? Promover os interesses públicos e a soberania nacional. A representação demonstra nitidamente que Eduardo tem agido como um traidor da pátria, atuando em todos os fóruns possíveis para prejudicar a nação brasileira”, disse.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), foi ao colegiado para elogiar o relatório. “Não se trata de quebra de decoro, mas de uma disputa política e ideológica, o que é natural desta Casa”, afirmou. Outros aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro saíram em defesa do deputado. “Está no direito dos senhores arquivar esta ação inconstitucional. Eduardo não fez nada nos Estados Unidos. Não é culpa dele que Trump tenha taxado o Brasil”, ironizou Cabo Gilberto (PL-PB).
SALVO CONDUTO – Na representação, o PT sustenta que “a imunidade parlamentar não é um salvo-conduto para a prática de atos atentatórios à ordem institucional, tampouco um manto protetor para discursos de incitação à ruptura democrática”.
Fora do país há sete meses, Eduardo Bolsonaro também pode perder o mandato por faltas injustificadas. A tramitação do caso foi marcada por atrasos — a votação do relatório chegou a ser adiada porque Schiochet não estava em Brasília na semana passada.
REPRESENTAÇÕES – Além do filho do ex-presidente, o Conselho analisa outras representações que envolvem deputados de diferentes campos políticos. O PL acionou o colegiado contra Lindbergh Farias (PT-RJ), acusado de ofender um parlamentar da oposição durante embate público. Já os processos de André Janones (Avante-MG) e Guilherme Boulos (PSOL-SP) foram adiados por ausência dos relatores.
Outra representação do PL mira a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), por declarações sobre violência contra povos indígenas e críticas ao agronegócio, vistas por parlamentares da direita como ofensivas. Há ainda ações apresentadas pelo PSOL contra Sargento Fahur (PL-PR), por incitação à violência contra o deputado Henrique Vieira (PSOL-RJ), e contra Kim Kataguiri (União-SP), por provocações a movimentos sociais. O PT também protocolou representações contra Gilvan da Federal (PL-ES) e Delegado Éder Mauro (PL-PA), por discursos considerados homofóbicos e de teor ofensivo.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O arquivamento do processo contra Eduardo Bolsonaro pelo Conselho de Ética da Câmara é mais um retrato da complacência do Parlamento com seus próprios excessos. Ao invocar a imunidade parlamentar como escudo absoluto, os deputados transformam um direito constitucional em salvo-conduto para a irresponsabilidade política. A decisão ignora o peso institucional das declarações de um parlamentar que, sob mandato, atacou as instituições democráticas e flertou com o descrédito internacional do país. Ao preferir o silêncio à responsabilização, a Câmara reafirma o abismo entre a ética pregada nos discursos e a impunidade praticada nas votações. (M.C.)