
Brasil pode usar terras-raras para negociar com Trump
Janaína Figueiredo
O Globo
Uma eventual negociação entre o Brasil e os Estados Unidos de Donald Trump implicaria vários desafios para o governo Lula, que, como mostram recentes pesquisas, conseguiu capitalizar positivamente o embate com o republicano após o tarifaço de julho.Embora haja divergências no governo brasileiro sobre o tema, há dois elementos que o Brasil poderia levar à mesa de negociações que são do interesse de Trump: minerais críticos e regulação das big techs. Interlocutores do setor privado que têm conversado com integrantes do governo Lula argumentam que o Brasil deveria ver em ambos os casos uma oportunidade, não um problema.
No caso das terras-raras, frisou uma dessas pessoas, o Brasil detém um terço das reservas do mundo, mas apenas 2% da produção global. Uma hipotética parceria com os EUA, que poderiam entrar com investimentos em troca de acesso privilegiado, é vista como positiva por esses interlocutores, que têm ido a Brasília conversar sobre o assunto com representantes do governo Lula, congressistas e empresários. Eles admitiram que importantes alas do governo — especialmente do PT — veriam esse movimento quase como uma concessão de soberania aos americanos.
TRATATIVAS – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que poderiam ser retomadas tratativas de parcerias que vinham sendo negociadas com o governo anterior, de Joe Biden, entre elas sobre bicombustíveis e minerais críticos. Trata-se de acordos selados durante a cúpula do G-20, em novembro de 2024, no Rio.
Esses entendimentos, porém, nada têm a ver com a concessão de acesso privilegiado a investimentos americanos no setor de minerais críticos. Isso iria além do que Lula negociou com Biden, e, segundo pessoas a par do tema, as resistências no governo brasileiro seriam grandes — e não apenas por parte do PT.
A sugestão dos interlocutores que têm conversado com diversas áreas do governo Lula é encarar uma possível negociação com os americanos como a oportunidade de fazer parte de um mercado hoje controlado pela China. Em troca de um acesso com privilégios a serem definidos, o Brasil poderia exigir, explicou um desses interlocutores, uma participação na cadeia de produção — e não ser apenas um fornecedor de minerais críticos.
RESISTÊNCIAS – O desafio, frisou esse interlocutor, é encontrar uma narrativa que derrube as resistências internas e não arrisque o capital político conquistado por Lula ao enfrentar Trump. Os EUA precisam dos minerais críticos, e o Brasil precisa aumentar sua produção. A parceria entre ambos faz sentido: o problema, apontam esses interlocutores, é político.
Uma possível inspiração é a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, que conseguiu construir uma relação com Trump na qual o americano fala para seu público interno usando a retórica trumpista — e sempre se mostrando vitorioso —, enquanto ela faz o mesmo em seu país.
Já o caso das big techs, um tema sensível para o Brasil, é mais complicado. As grandes plataformas, comentou um desses interlocutores, querem “uma linha de ação clara, e não ficarem expostas a novas ações do Supremo Tribunal Federal (STF)”. Para isso, disse, “Lula teria de negociar internamente, e isso não parece viável.”
“SOLTAR A MÃO” – Em Washington, a fala de Trump sobre Lula na Assembleia Geral da ONU não surpreendeu quem acompanha as tensões na relação bilateral. Pessoas com acesso ao governo americano relatam que, em conversas informais, Trump teria dito que o ex-presidente Jair Bolsonaro nunca fez nada por ele, dando a entender que poderia “soltar a mão” do ex-chefe de Estado. O lobby bolsonarista, segundo essas fontes, “vem perdendo força nos EUA”.
Em paralelo, o setor privado americano e seus lobistas teriam conseguido convencer Trump da necessidade de rever o tarifaço ao Brasil. Afinal, no caso do café, por exemplo, o impacto no mercado interno foi negativo: os preços subiram, e os consumidores reclamaram.
De acordo com um desses interlocutores, se Trump adotar um discurso positivo sobre o Brasil, “o resto de seu governo vai acompanhar”. A questão, acrescentou, é saber “se o Brasil está disposto a encarar uma negociação pragmática, com elementos que interessam ao presidente americano.”