terça-feira, setembro 02, 2025

Indulto antecipado pode representar um risco à democracia

Publicado em 2 de setembro de 2025 por Tribuna da Internet

Tarcísio: primeiro ato, se for presidente, será indulto a Bolsonaro

Pedro do Coutto

 
A recente declaração do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista ao Diário do Grande ABC, reacendeu o debate sobre os rumos da política brasileira às vésperas da eleição de 2026. Ao afirmar que, caso fosse eleito presidente da República, seu primeiro ato seria conceder indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Tarcísio não apenas antecipou um gesto de perdão a um aliado político ainda sem condenação definitiva, como também sinalizou um movimento estratégico: disputar a herança do bolsonarismo e se consolidar como nome viável da direita no cenário nacional.
 
A fala, embora revestida de aparente naturalidade, expõe uma contradição que não pode passar despercebida: de um lado, o governador afirma não ser candidato; de outro, projeta uma medida presidencial que o coloca inevitavelmente como protagonista no xadrez sucessório.
EFEITOS – Essa antecipação tem efeitos graves. Ao pressupor a condenação de Bolsonaro, Tarcísio transmite à sociedade uma mensagem clara de desconfiança no sistema de Justiça, sugerindo que o Supremo Tribunal Federal já teria sua decisão tomada. Mais do que uma manifestação de solidariedade pessoal, a fala revela uma estratégia política: captar e fidelizar o eleitorado órfão de Bolsonaro antes mesmo do início oficial da corrida eleitoral.
 
A promessa de indulto, portanto, não é apenas um gesto de lealdade, mas também um instrumento eleitoral de alto impacto, que reposiciona o governador no tabuleiro nacional. Ao se alinhar de forma tão explícita contra a lógica das instituições, Tarcísio assume um papel de antagonista da ordem constitucional, o que abre espaço para questionamentos sobre sua real compreensão do papel do Estado de Direito.

O episódio, no entanto, não se limita a uma bravata de palanque. Ele lança luz sobre um fenômeno recorrente na política brasileira: a instrumentalização do instituto do indulto como ferramenta de barganha política e sinalização ideológica. No caso de Tarcísio, o gesto é duplamente problemático, pois antecipa uma medida de exceção para um aliado ainda em julgamento e reforça a polarização, ao colocar o Supremo e as instituições democráticas como adversários indiretos de seu projeto.

 
CREDIBILIDADE –  Se por um lado essa estratégia pode galvanizar a base bolsonarista, por outro compromete sua imagem de gestor técnico, moderado e pragmático, construída desde o início de seu governo em São Paulo. Essa mudança de postura pode custar caro: ao tentar agradar a ala mais radical, Tarcísio corre o risco de perder a credibilidade junto ao eleitorado mais amplo, que busca estabilidade institucional e governabilidade.

Em última instância, a declaração evidencia que o governador, mesmo negando publicamente sua candidatura, já age como presidenciável. O cálculo é claro: assumir a dianteira no campo da direita, projetando-se como sucessor natural de Bolsonaro, mesmo à custa de tensionar as relações com o Judiciário. O problema é que, ao lançar mão de uma promessa de perdão a um aliado político, Tarcísio reforça a percepção de que o jogo político brasileiro ainda é conduzido não pelo compromisso com as instituições, mas pela conveniência de proteger aliados e instrumentalizar a máquina pública.

 
O episódio é, portanto, um alerta: quando a política se orienta mais pela lealdade a figuras do que pelo respeito às regras do jogo democrático, o país inteiro se torna refém de projetos pessoais travestidos de pacificação nacional.