
Charge do André Félix (Arquivo do Google)
Pedro do Coutto
O anúncio do Banco Central de que a meta de inflação de 3% ao ano só poderá ser alcançada a partir do primeiro trimestre de 2028 soa como um duro golpe para os assalariados brasileiros. Isso significa que, pelos próximos três anos, o país seguirá convivendo com uma inflação mais alta do que a desejada, corroendo o poder de compra e ampliando a defasagem entre preços e salários.
Na prática, os reajustes salariais chegam sempre atrasados: quando repõem as perdas do período anterior, a inflação já retomou sua corrida, inaugurando novo ciclo de corrosão. Essa dinâmica coloca os trabalhadores em uma corrida desigual contra o capital, que consegue se proteger com mecanismos de indexação e aplicações financeiras, enquanto quem vive do salário sofre os efeitos mais duros.
JUROS – O cenário se agrava quando se observa o patamar dos juros, ainda muito elevado, em torno de 15% ao ano, o que pressiona diretamente a dívida pública, hoje acima de R$ 7,9 trilhões. Apenas para rolar esse endividamento, o Brasil desembolsa valores próximos a R$ 1 trilhão por ano, uma cifra monumental que drena recursos do orçamento e limita a capacidade de investimento em áreas sociais essenciais.
Esse modelo cria um paradoxo: enquanto se promete estabilidade inflacionária no longo prazo, o presente se torna mais pesado para os trabalhadores e para a economia real.
É preciso destacar que a inflação não atinge todos de forma igual. Empresas e investidores conseguem reajustar preços e proteger aplicações, mas a maioria da população não dispõe desse poder. Cada ciclo inflacionário representa perda real, seja no aluguel, no supermercado ou na conta de energia, e a demora em atingir a meta anunciada significa prolongar essa corrosão. Ao mesmo tempo, o país convive com mais de 71 milhões de brasileiros endividados, quadro que expõe como a política monetária desconectada da realidade social pode aprofundar desigualdades.
IMPACTO – O desafio do Banco Central é enorme. Se por um lado precisa preservar a credibilidade e evitar descontrole dos preços, por outro deve reconhecer o impacto humano de uma política monetária excessivamente rígida. O caminho passa por calibrar juros de forma mais equilibrada, coordenar medidas fiscais sustentáveis e criar mecanismos que protejam os mais vulneráveis da defasagem inflacionária.
Não basta fixar metas para daqui a três anos: é necessário agir agora para evitar que a população pague sozinha a conta do ajuste. O risco, caso isso não aconteça, é transformar o controle da inflação em promessa distante, enquanto o presente se mantém marcado por corrosão salarial, endividamento crescente e uma desigualdade cada vez mais difícil de reverter.