quarta-feira, março 05, 2025

O inferno de Trump

 

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Por ADHEMAR BAHADIAN
agbahadian@gmail.com

Publicado em 02/03/2025 às 10:34

Alterado em 02/03/2025 às 10:34


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Trump rima com Dante que nos deixou a Divina Comédia. Trump como Dante está a reescrever parte dela, não como comédia, mas como tragédia, com especial ênfase no Inferno.

Não tenho aqui a pretensão de desvendar os meandros desta tragédia, até porque os “ghost-writers" dela são múltiplos e variáveis, se alternam e se confundem. Só esta semana tivemos a coparticipação de JD. Vance, Musk e, óbvio, do Mefistófeles em pessoa.

Vejo, porém, com tristeza, que a pior atitude nesta hora é assumir a postura da avestruz e enfiar a cabeça no pântano e esperar que ele volte a florir.

A sandice já vai longe, se alastra como os ventos de Los Angeles a destruir tudo que passa ou lhe faça frente. Não quero dizer com isto que sou defensor da irracionalidade como forma de combater a irracionalidade armada até os dentes com as mais absurdas armas de uma ideologia caquética, carcomida, cadavérica,

Não comento igualmente a triste comédia a que assistimos no “Oval Office”, quando o capeta do JD se encarregou de soltar os fogos de artifício para dar início à saraivada de coices e berros do Bebê de Rosemary, posto a nu no joguinho de cartas marcadas por ele mesmo.

Lógico - mais uma involuntária traição da mente do Bebê a dar pontos adicionais a Freud - a dizer a Zelensky que ele não tinha cartas na mão, mas apenas o direito de transformar-se no desencadeador da Terceira Guerra Mundial. Espetáculo digno de delegaciazinha da Gestapo na França ocupada.

Sei que estou sendo duro, mas infelizmente, embora tenha visto nos tempos de Reagan e de Kirkpatrick , sua embaixadora na ONU, vários momentos lamentáveis de deboche e ironia contra adversários, nunca, em tempo algum, vi e ouvi nada semelhante, seja nos tapetes dourados da Diplomacia, seja nos esgotos dela.

O que agora me preocupa acima de tudo é um grande país da América do Sul, que se entrega surdo e mudo aos festejos do Carnaval, longe muito longe de imaginar que a alça de mira gira insanamente em direção a ele, por ser, como sempre foi, defensor da soberania dos Estados, da obrigatoriedade dos Tratados Internacionais, e país amante da Paz, nos termos da Carta das Nações Unidas.

E o Brasil entra na alça de mira por seus méritos, e não por seus defeitos. Irritamos frequentemente os deuses deste mundo por apresentar resoluções construtivas no Conselho de Segurança sobre a Faixa de Gaza. Hoje vemos que o destino que querem dar a este legítimo território palestino é o de transformá-lo numa sacrílega Riviera de Trump.

Hoje, convenhamos, os princípios defendidos pelos Estados Unidos de Roosevelt não são os do governo de Trump, sistemático em nos apresentar, sem nenhum constrangimento, a geopolítica do “Bit-coin”, para não dizer “mafiosa, como a conservadora revista “The Economist” a denominou.

Na mitômana visão de mundo a que estamos a vivenciar, a música de fundo é claramente a marchinha “ Me dá um dinheiro aí”. Lembra dela : Hei, você aí, me dá um dinheiro aí…

Aceitam-se não só terras e minérios, como sobretaxas e tarifas de exportação. Uma coisa a gente tem que reconhecer: a tentativa de empobrecer e recolonizar os países, amigos ou não, sequer foi suspeitada pelos livros de Economia. Vem tudo do caldeirão da cobiça e da malícia.

O que mais chama a atenção nesta hora é que Trump e seus camaradas, Putin inclusive, se consideram entidades quase-divinas, e aceitam ser comparados a divindades e a Mitos, Totens, Reis etc.

Nesta hora, lamento informar que no Brasil quem tem muito a perder é o Agro, cujas exportações para a China ou para onde for serão objeto de constrangimentos, bem como nossas importações de tecnologia chinesa, certamente mais barata e tão eficaz quanto qualquer outra.

O mundo de Trump ficará imensamente mais caro para países como o Brasil. Nosso destino, que durante décadas acreditávamos ser comprometido por teorias marxistas, hoje se vê gravemente ameaçado pela teoria capitalista mais absurda que nos pretendem impor.

Nesta hora, mais do que nunca, apenas a lucidez de um povo pode nos unir em rechaçar uma nova forma de colonização. Maior e mais desumana, da que nossos antepassados tiveram que nos libertar.

Adhemar Bahadian; embaixador aposentado

https://www.jb.com.br/brasil/opiniao/artigos/2025/03/1054538-o-inferno-de-trump.html