CAROLINA COSTA VAL RODRIGUES
Analista
Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Brasil
ccrodrigues@mpmg.mp.br
FERNANDA ALMEIDA LOPES
Analista
Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Brasil
falopes@mpmg.mp.br
O tema do controle jurisdicional das políticas públicas é alvo de
inúmeros debates na doutrina e jurisprudência pátrias. Isso ocorre
principalmente porque o Poder Judiciário tem sido cada vez mais
acionado, diante de reiteradas omissões do poder público na
efetivação desses programas estatais, com o escopo de impor aos
entes públicos uma atuação positiva objetivando dar concretude
aos direitos fundamentais mínimos garantidos na Lex Mater.
A matéria tem como um dos pontos nodais a separação dos
Poderes, sendo constantemente sustentado pelo poder público
demandado que o Poder Judiciário não detém legitimidade para
interferir na efetivação das políticas públicas, visto que esta matéria
estaria inserida no mérito administrativo, cabendo ao Poder
Público competente realizá-las de acordo com sua conveniência e
oportunidade.
É sabido que a formulação e a consecução de políticas públicas
configuram matéria, a priori, do Poder Executivo. Todavia, a
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doutrina e a jurisprudência têm adotado entendimento no sentido
de que, quando o ente político descumprir os encargos político-
jurídicos que sobre ele incidem, de maneira a comprometer, com a
sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados
pela Constituição da República, caberá a ingerência judicial nos atos
administrativos, sem que haja violação ao princípio da separação
dos Poderes.
O artigo 37 da Carta Magna, ao elencar uma série de princípios da
Administração Pública, reduziu a discricionariedade administrativa,
em razão da possível ingerência interpretativa e revisão judicial,
que é feita sob as normas constitucionais e que, de forma alguma,
buscam invadir a esfera do Poder Executivo.
Diante desse contexto, a atuação do Judiciário revela-se de suma
importância, na medida em que este Poder configura a última
instância protetora dos direitos existenciais mínimos e serve como
meio para impelir o poder público, responsável por atuar em prol da
sociedade, a legitimar o poder que lhe foi conferido pelos cidadãos.
Nesse sentido, não há que se falar em ofensa ao princípio da
separação dos Poderes quando o Poder Judiciário desempenha
regularmente a função jurisdicional. É possível ao Judiciário
determinar a implementação pelo Estado, quando este se torna
inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas,
sem que haja ingerência deste sobre os atos discricionários do
Poder Executivo.
Conveniente salientar que a definição e a implementação de políticas
públicas são confiadas primordialmente aos Poderes Executivo e
Legislativo, mas o Poder Judiciário não pode se desincumbir do
encargo de avaliar se a omissão estatal coloca ou não em risco a
integridade, a eficácia e a efetividade de direitos declarados no
âmbito da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional,
consoante já decidiu a Suprema Corte em caso análogo (RE n°
436.996/SP, Rel. Min. Celso de Mello).
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Isso porque a atual realidade constitucional exige que o administra-
dor se mantenha vinculado às políticas públicas estabelecidas na Car-
ta Magna, sem que, no entanto, a extensão de seu poder discricioná-
rio seja exageradamente ampla a ponto de inviabilizar o exercício de
determinado direito pelo seu destinatário. Ou seja, o conceito de dis-
cricionariedade administrativa não pode ser associado à imiscuidade
entre os Poderes, a ponto de possibilitar a completa omissão do ente
estatal na implantação de determinados serviços públicos.
Entende-se doutrinariamente que a discricionariedade administrativa
não possui caráter absoluto, conforme lecionado por Di Pietro:
[...] o Poder de ação administrativo, embora discricionário, não
é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial, a
competência, a forma e a finalidade a lei impõe limitações. Daí
porque se diz que a discricionariedade implica liberdade de
atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultra-
passa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja,
contrária à lei [...]. (DI PIETRO, 2014, p. 205).
A discricionariedade do Poder Executivo, no tocante aos atos
administrativos, encontra-se bastante mitigada ante a determinação
normativa de atendimento integral dos serviços de saúde, prevista
nos arts. 196 e 198 da Constituição da República, por exemplo.
Em outras palavras, o exercício do poder político-administrativo
não pode ser concretizado somente mediante a implementação
dos projetos pessoais de quem gere a coisa pública, mas, sim,
com os olhos postos nas prioridades estabelecidas pelo legislador
constituinte e, de forma bastante significativa, pelo legislador
ordinário.
É evidente que a concretização desses objetivos é onerosa na medida
em que será necessário ao administrador disponibilizar os recursos
orçamentários correlatos.
Mas, afirmada judicialmente a inexistência de margem discricionária
para o administrador omitir-se no cumprimento de norma que lhe
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impõe a tutela efetiva de determinado direito, não pode o Poder
Executivo criar obstáculo que frustre o sentido da norma.
A esse respeito, cabe ressaltar que grande parte das demandas
que são levadas à judicialização buscam a garantia de direitos que
integram o mínimo existencial, tal como a dignidade da pessoa
humana e, na elaboração do orçamento de cada ente político, esse
“mínimo” deve ser respeitado.
Os direitos fundamentais, previstos no art. 5º, § 1º, da Constituição
Federal de 1988, possuem eficácia imediata e, quando inovados, não
podem ser descumpridos sob o pretexto de escassez de recursos, a
menos que o gestor público demonstre a real impossibilidade de
cumprimento da obrigação.
A supremacia plena do Poder Executivo como único executor das
políticas públicas não pode ser aceita como uma fórmula pronta e
acabada, sob pena de não ser possível ao Poder Judiciário arbitrar,
na sua plenitude, os conflitos que se estabelecem entre o cidadão e
o Estado quanto ao núcleo essencial de direitos fundamentais.
Em casos concretos, a exemplo da infância e juventude e da já
citada área da saúde, demandas que frequentemente são trazidas ao
inistério Público ocasionadas pela letargia administrativa, é razoável
dizer que, na maioria das vezes, as irregularidades noticiadas no
âmbito do município ou do estado, ambos réus, são derivadas da
ausência de planejamento administrativo rigoroso e continuada
negligência ou omissão ao longo do tempo.
Então, na medida em que o município ou estado são omissos em
adotar medidas para cumprir os encargos político-jurídicos sob sua
responsabilidade, é aceitável admitir que essa postura pode ser corrigida
por via judicial, sem que, com isso, possa se falar em ofensa a qualquer
dos princípios constitucionais e administrativos, notadamente no que
se refere a separação dos Poderes e reserva do possível.
Nesse sentido, é o entendimento da egrégia corte do estado de
Minas Gerais, senão vejamos:
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REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CíVEL - AÇÃO COMINA-
TÓRIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO PADRONI-
ZADOS PELO SUS - SAúDE - DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
- CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSIVEL - INAPLICABILIDADE -
OFENSA À INDEPENDÊNCIA DOS PODERES - INOCORRÊNCIA.
- O Poder Público não pode se eximir da sua obrigação de assis-
tência aos necessitados pelo simples fundamento de que deter-
minados fármacos requeridos não são padronizados pelo SUS,
vez que tais normas administrativas que delimitam a prestação à
espécies de medicamentos restringem o atendimento, violando
os preceitos constitucionais da garantia do direito à saúde, ao
bem-estar físico, psicológico e mental, e à dignidade da pessoa
humana.
- Comprovada a imprescindibilidade de utilização de medica-
mentos por pessoa necessitada, estes devem ser fornecidos de
forma irrestrita, sendo que a negativa do ente público implica
ofensa a uma garantia constitucional.
- Não se aplica a Cláusula da Reserva do Possível quando não
comprovada a incapacidade econômico-financeira do ente pú-
blico, afigurando-se, lado outro, razoável a pretensão de forne-
cimento de medicamento a pessoa carente, estando, assim, em
harmonia com o devido processo legal substancial.
- Não ofende a independência dos Poderes a decisão judicial
que, com base na Constituição, determina o fornecimento de
medicamentos, vez que a Carta Política, ao estabelecer um siste-
ma de pesos e contrapesos para possibilitar o controle recíproco
como forma de conter abusos, instituiu o direito de ação do ci-
dadão para tornar efetiva essa garantia. (MINAS GERAIS, 2014a).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PúBLICA. ESTABELE-
CIMENTO PRISIONAL. CADEIA PúBLICA DE IBIÁ. CONDIÇÕES
PRECÁRIAS DE FUNCIONAMENTO E DAS INSTALAÇÕES. SU-
PERLOTAÇÃO. MEDIDA LIMINAR QUE ORDENA A TRANSFERÊN-
CIA DOS DETENTOS PARA OUTRA INSTITUIÇÃO PRISIONAL.
POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. MULTA E PRAZO
PARA CUMPRIMENTO DA ORDEM. REDUÇÃO DO VALOR. DILA-
ÇÃO DO PRAZO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
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- Demonstrada a patente precariedade do estabelecimento pri-
sional de Ibiá, advinda da inadequação das instalações e da su-
perlotação, justifica-se a manutenção da decisão liminar que
determinou a transferência dos presos para outra instituição
carcerária.
- Embora não se desconheça que o Estado de Minas Gerais, na
tentativa de minimizar o problema carcerário, vem criando novas
vagas e melhores condições de permanência nos estabelecimen-
to prisionais, no caso específico da Cadeia Pública de Ibiá não
se verificou nenhuma mudança substancial na precária situa-
ção existente, pelo que não se mostra possível a observância da
“cláusula da reserva do possível” a justificar a omissão na tomada
de providências para a solução dos problemas verificados.
- Não deve prevalecer, em análises como a presente, o invocado
princípio da separação dos poderes, tendo em vista que o Poder
Judiciário não pode quedar-se inerte ante a omissão do Estado
em promover as referidas políticas administrativas, tendo em vis-
ta a prerrogativa relacionada ao controle da legalidade dos atos
da administração.
- Comprovadas a ausência de condições mínimas que assegurem
a integridade física e moral dos detentos, bem como o risco à se-
gurança da comunidade, faz-se mister a manutenção da liminar
deferida na instância de origem, que determinou a interferência
dos presos.
- A imposição de obrigação de fazer, ainda que proferida a ordem
contra a Fazenda Pública, pode vir acompanhada de medida de
coerção de caráter patrimonial, com a finalidade de compelir ao
cumprimento da medida.
- Reduz-se a multa aplicada, para que a penalidade seja adequada
aos padrões de razoabilidade e receba limitação inicial, com o
escopo de evitar-se a apenação desmensurada do ente público.
- O prazo para o cumprimento da medida de transferência dos
presos deve ser razoável e suficiente para a realização das dili-
gências administrativas pelo Estado de Minas Gerais, razão pela
qual, no caso, deve ser ampliado.
- Recurso parcialmente provido. (MINAS GERAIS, 2014b).
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CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PúBLICA - DIREITO À EDU-
CAÇÃO BÁSICA E ENSINO FUNDAMENTAL - TRANSPORTE ES-
COLAR GRATUITO - CRIANÇA E ADOLESCENTE - ABSOLUTA
PRIORIDADE - POLíTICAS PúBLICAS DE ORDEM EDUCACIO-
NAL - OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL EM CUMPRIR
PRESTAÇÃO POSITIVA IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO - CON-
TROLE JUDICIAL - ADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCíPIO
DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - OBRIGAÇÃO
DE FAZER - INADIMPLEMENTO - MULTA DIÁRIA - EXIGÊNCIA
- INíCIO DO PRAZO - INTIMAÇÃO PESSOAL DO CHEFE DO PO-
DER EXECUTIVO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
Incumbe ao Poder Público Municipal assegurar educação ao
menor em idade escolar, com absoluta prioridade, propiciando
meios que materializem o direito constitucionalmente assegura-
do, fornecendo passagem e/ou assumindo para si a efetivação do
transporte gratuito, de maneira permanente e contínua, como
forma de garantir aos alunos que residem a mais de 1 Km do
educandário o acesso à educação infantil e ao ensino fundamen-
tal. Não há ingerência indevida nas atribuições do Poder Execu-
tivo, mas apenas exercício do controle conferido ao Poder Judi-
ciário quando impõe o cumprimento de obrigação de fazer em
processo que objetiva a tutela de direitos assegurados à criança
e ao adolescente, que, por se tratarem de pessoas em desenvol-
vimento, merecem tratamento prioritário por parte dos admi-
nistradores públicos. É vedado ao Poder Público, como forma
de se eximir em executar política específica visando assegurar
o direito à educação, alegar falta de disponibilidade financeira,
invocando, para tanto, a lei de responsabilidade fiscal e o princí-
pio da reserva do possível, mormente quando já passados mais
de vinte e cinco anos de vigência da Constituição da República
e vinte e três anos da Lei nº 8.069/90. É cabível a aplicação de
multa contra a Administração Municipal em caso de descumpri-
mento de obrigação de fazer. O prazo de 90 (noventa) dias para
o cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária, incide
do trânsito em julgado da sentença favorável ao autor da ação
civil pública, e somente depois da intimação pessoal do Chefe do
Poder Executivo, providência determinada pela Instância Reviso-
ra, uma vez que é o responsável pela implementação do encargo.
(MINAS GERAIS, 2014c).
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CONSTITUCIONAL - SAúDE -MEDICAMENTO NÃO FORNECI-
DO PELO SUS -COMPROVAÇÃO QUANTO À INEFICIÊNCIA DOS
MEDICAMENTOS CONSTANTES NA LISTA DE EXCEPCIONAIS -
RESERVA DO POSSíVEL - INAPLICABILIDADE - DEFERIMENTO
DO PEDIDO. Em matéria de preservação dos direitos à vida e à
saúde, não se há de aplicar a denominada “”Teoria da Reserva
do Possível””. Diante da comprovação de que os medicamentos
excepcionais fornecidos pelo SUS são ineficazes ao tratamento
da doença da qual é a autora acometida, defere-se o pedido de
fornecimento de medicamento não constante no Programa de
Assistência Farmacêutica. (MINAS GERAIS, 2011).
Os juristas mineiros seguem exatamente o entendimento da
magistratura superior. O Supremo Tribunal Federal, ao tratar da
inércia governamental e da omissão constitucional indevida, assim
já decidiu:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONS-
TITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PúBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS
INDISPONíVEIS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PúBLICO.
DIREITO À SAúDE. DEVER DO ESTADO. REALIZAÇÃO DE TRA-
TAMENTO MÉDICO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA
FEDERAÇÃO. SITUAÇÃO DE OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO
PúBLICA. CONCRETIZAÇÃO DE POLíTICAS PúBLICAS PELO
PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. I – O acórdão recorrido está em harmonia com a
jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que o Ministé-
rio Público possui legitimidade para ingressar em juízo com ação
civil pública em defesa de interesses individuais indisponíveis,
como é o caso do direito à saúde. II - A jurisprudência desta
Corte firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos
entes da Federação em promover os atos indispensáveis à con-
cretização do direito à saúde, tais como, na hipótese em análise,
a realização de tratamento médico por paciente destituído de re-
cursos materiais para arcar com o próprio tratamento. Portanto,
o usuário dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir
de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento
da referida obrigação. III – Em relação aos limites orçamentá-
rios aos quais está vinculada a ora recorrente, saliente-se que o
Poder Público, ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente
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mensurável, não pode se furtar à observância de seus encargos
constitucionais. IV - Este Tribunal entende que reconhecer a legi-
timidade do Poder Judiciário para determinar a concretização de
políticas públicas constitucionalmente previstas, quando houver
omissão da administração pública, não configura violação do
princípio da separação dos poderes, haja vista não se tratar de
ingerência ilegítima de um poder na esfera de outro. V – Agravo
regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2014a).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. DIREITO À SAúDE. FORNECIMENTO PELO PODER
PúBLICO DO TRATAMENTO ADEQUADO. SOLIDARIEDADE
DOS ENTES FEDERATIVOS. OFENSA AO PRINCíPIO DA SEPA-
RAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. COLISÃO DE DI-
REITOS FUNDAMENTAIS. PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA.
PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente progra-
mático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado
não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários
ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O Supremo Tribunal Fe-
deral assentou o entendimento de que o Poder Judiciário pode,
sem que fique configurada violação ao princípio da separação
dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas
nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. O Su-
premo Tribunal Federal entende que, na colisão entre o direito
à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de
ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da
preservação do direito à vida. Ausência de argumentos capazes
de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega
provimento. (BRASIL, 2014b).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PO-
LíTICAS PúBLICAS. SEGURANÇA PúBLICA. DETERMINAÇÃO
PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES ORÇAMENTÁRIOS. VIOLA-
ÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. AGRAVO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A jurisprudência desta Corte
entende ser possível ao Poder Judiciário determinar ao Estado a
implementação, em situações excepcionais, de políticas públicas
previstas na Constituição sem que isso acarrete contrariedade
ao princípio da separação dos poderes. II – Quanto aos limites
orçamentários aos quais está vinculado o recorrente, o Poder
Público, ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente men-
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surável, não pode se furtar à observância de seus encargos cons-
titucionais. III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(BRASIL, 2014c).
DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO. MODALIDADES DE COMPOR-
TAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PúBLICO. - O
desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação
estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de
inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo
do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com
o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos
e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta
estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a in-
constitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as
medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Cons-
tituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis,
abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação
que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do
texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resulta-
rá a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quan-
do é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é in-
suficiente a medida efetivada pelo Poder Público. - A omissão do
Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão,
a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como
comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica,
eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespei-
ta a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam
e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a
própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Funda-
mental. (BRASIL, 2004).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AD-
MINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL
PRESUMIDA. SISTEMA PúBLICO DE SAúDE LOCAL. PODER JU-
DICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A
MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCíPIOS DA SE-
PARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSíVEL. VIOLA-
ÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. A controvérsia objeto destes autos - possibilida-
de, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo
a adoção de providências administrativas visando a melhoria da
qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede
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pública - foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tri-
bunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes,
DJ de 30.4.10. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os
princípios do “mínimo existencial” e da “reserva do possível”,
decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção ju-
dicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Po-
der Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas
determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas
previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega
provimento. (BRASIL, 2013).
Se é certo que não cabe ao Poder Judiciário, originária e
ordinariamente, definir quando e qual política pública deverá ser
implementada pelos Poderes Executivo e Legislativo, também é
certo que a mora em cumprir os preceitos legais acima mencionados
causa dano à sociedade, sendo possível estabelecer provimento de
caráter mandamental para a tutela do direito coletivo violado.
Destaca-se, ainda, a existência de decisões monocráticas exaradas
pela Corte Suprema em casos concretos, versando sobre direitos
de crianças e adolescentes, que adotam teses nesse sentido: AI n.
646.079/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 28/11/08; AI n. 725.891/
SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10/10/08; ARE n. 655.452/DF,
Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/11/12.
Em relação à atuação do Ministério Público em situações similares,
o Superior Tribunal de Justiça tem decide:
O Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para
propor ação civil pública com o objetivo de proteger interesse
individual indisponível de menor carente. Precedentes da Seção:
EREsp 485.969/SP, Rel. Min. José Delgado, DJU de 11.09.06 e
EREsp 734.493/RS, DJU de 16.10.06.’ (BRASIL, 2008a).
1. O Ministério Público tem legitimidade para propor Ação Civil
Pública visando à proteção de direitos individuais indisponíveis
do menor. (BRASIL, 2009).
I - A Primeira Seção desta Corte tem entendimento, já reiterado,
no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade para
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promover, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90), mediante ação civil pública, a tutela dos direitos
indisponíveis nele previstos, mesmo que se apresentem como
interesse individual. Precedentes: EREsp 466861/SP, Rel. Ministro
Teori Albino Zavascki. 1ª Seção. Julgado em 28.03.2007, DJ
07.05.2007; EREsp 684.162/RS, Rel. Ministra Denise Arruda. 1ª
Seção. Julgado em 24.10.2007, DJ 26.11.2007; EREsp 684.594/
RS, Rel. Ministra Denise Arruda. 1ª Seção. Julgado em 12.09.2007,
DJ 15.10.2007. (BRASIL, 2008b).
Outrossim, não obstante o fato de não se incluir, ordinariamente, no
âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário a atribuição
de formular e de implementar políticas públicas, visto que, nesse
domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo
e Executivo, impende assinalar que, em consonância com a
jurisprudência apresentada, notadamente a da Suprema Corte,
tem-se que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode
determinar a implementação de políticas públicas assecuratórias de
direitos constitucionais reconhecidos como essenciais, sem que isso
configure violação ao princípio da separação de Poderes.
Conclui-se, portanto, que o administrador público não tem
discricionariedade para decidir sobre a oportunidade e a conveniência
da implementação das políticas estatais discriminadas na ordem social
constitucional, pois tal atribuição restou deliberada pelo constituinte
e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
A nova realidade social tem confiado ao Poder Judiciário uma
importante missão na busca pela implementação de efetividade
das normas constitucionais, evitando-se, com isso, que a Lex
Fundamentalis seja considerada apenas um elemento simbólico.
Referências
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29. ed. São
Paulo: Malheiros, 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de
outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 4 set. 2014.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 793074/RS, da 2ª Turma,
Rel.: Min. Castro Meira. DJ, Brasília, p. 1, 16 jun. 2008a.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 984.078/SC, da 2ª
Turma, Rel.: Min. Herman Benjamin. DJe, Brasília, 9 mar. 2009.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp n. 488.427/SP. Rel. Min.
Francisco Falcão. DJe, Brasília, 29 set. 2008b. Disponível em: <www.
stj.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014.
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Turma, Rel.: Min. Ricardo Lewandowski, Brasília, 26 de agosto de
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em: 11 nov. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 801676 AgR/PE, da Primeira
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