domingo, março 09, 2025

Conclave do Vaticano é o próximo grande objetivo político de Trump

Publicado em 9 de março de 2025 por Tribuna da Internet

Quem é J.D. Vance, novo vice-presidente dos EUA

Trump e Vance querem incluir também na política da Igreja

Jamil Chade
do UOL

Permeado por católicos ultraconservadores e tradicionalistas, o governo de Donald Trump colocou o conclave como seu próximo grande objetivo político. Com a participação da diplomacia americana, de deputados da base mais conservadora e uma rede de entidades religiosos, a Casa Branca tenta influenciar a direção que pode tomar a escolha do novo papa, caso Francisco tenha de renunciar ou não sobreviva a seus problemas de saúde.

Fontes em Washington confirmaram ao UOL que os trabalhos já começaram. Ainda em dezembro, Trump anunciou a escolha de Brian Burch como o embaixador dos EUA na Santa Sé. No Vaticano, o gesto foi considerado como uma declaração de guerra contra o papa Francisco e sua linha de atuação.

ACUSAÇÕES AO PAPA – Nos últimos anos, Burch acusou o papa de populismo, e de “criar confusão” ao permitir que padres abençoem casais do mesmo sexo e de flexibilizar na doutrina. Ele ainda tem sido um crítico da decisão de Francisco de destituir líderes católicos conservadores de seus cargos, entre eles o arcebispo Carlo Maria Vigano, excomungado.

Um sentimento de indignação ainda tomou conta dos mais radicais quando o papa afastou o bispo Joseph Strickland de sua diocese no Texas ou quando houve a retirada de benefícios do cardeal Raymond Burke.

Mas é nos bastidores que sua atuação é mais esperada neste momento. O cálculo do governo americano é de que, mesmo que o pontífice não morra no curto prazo, os próximos quatro anos serão decisivos para influenciar a escolha do novo papa. Trump terminará seu mandato com um papa que, se vivo, terá 92 anos.

DIVULGAR NOMES – Preparar o conclave, portanto, se transformou em um objetivo político da Casa Branca. Ainda que o voto seja exclusividade de cardeais e que muitos deles tenham sido nomeados por Francisco, a percepção é de que se pode criar um “clima” de pressão e, desde já, articular nomes que poderiam se apresentar como alternativas a uma continuação da gestão de Francisco.

Do lado político, reconquistar o Vaticano seria estratégico para permitir que a agenda ultraconservadora americana ganhe a benção e a chancela diplomática da Santa Sé para ser difundida pelo mundo.

Ao anunciar seu embaixador em Roma, Trump escancarou a relação entre a política, a fé e sua escolha. “Brian é um católico devoto, pai de nove filhos e presidente da CatholicVote. Ele recebeu inúmeros prêmios e demonstrou uma liderança excepcional, ajudando a construir um dos maiores grupos católicos de defesa de direitos do país”, anunciou o republicano.

OPTARAM POR TRUMP – O presidente lembrou que Burch “me representou bem durante a última eleição, tendo obtido mais votos católicos do que qualquer outro candidato presidencial na história”. Os dados de fato confirmaram que os católicos optaram por Trump por uma margem de 20 pontos e foram decisivos nos estados decisivos no Cinturão da Ferrugem e no Sudoeste.

Burch sinalizou que sua missão no Vaticano iria muito além de representar Trump e, em sua declaração pública, omitiu qualquer referência ao papa. “Estou comprometido em trabalhar com líderes dentro do Vaticano e com a nova administração para promover a dignidade de todas as pessoas e o bem comum”, disse.

Nos bastidores, sua entidade CatholicVote tem sido fundamental para solidificar a aliança entre as alas mais conservadoras dos EUA e os republicanos. Desde 2009, o grupo fez doações de US$ 2 milhões para as campanhas de mais de 40 deputados do partido de Trump.

COM BANNON – Ele se aliou, em 2018, a Steve Bannon para rastrear dados de localização de celulares para enviar mensagens a pessoas que estavam nas igrejas para que fossem votar. A CatholicVote também foi usada para mobilizar o voto católico em 2024.

Nos corredores do Congresso e nos governos estaduais, a entidade é uma organização de lobby que luta contra o direito ao aborto, contra o movimento LGBT e apoia o fechamento de fronteiras.

Sua entidade ainda abriu processos judiciais contra bispos, contra o governo de Joe Biden e até contra aliados do papa. Em 2023, a CatholicVote arrecadou cerca de US$ 500 mil para tentar alterar a Constituição do Kansas para que o direito ao aborto fosse removido. O processo fracassou.

UMA DAS PEÇAS – Fontes em Washington explicaram ao UOL que Burch é apenas uma das peças da engrenagem, ainda que crítica. Dentro do governo, os católicos mais tradicionais contam com representantes de peso, entre eles Tom Homam, o “czar das fronteiras”, Karoline Leavitt, a porta-voz da Casa Branca, e JD Vance, o vice-presidente.

Também são católicos Linda McMahon, secretária de Educação, Elise Stefanik, embaixadora para a ONU e que afirmou que Israel tem “direito bíblico” sobre as terras palestinas. A lista ainda inclui Marco Rubio (Departamento de Estado), Sean Duffy (Transporte), o diretor da CIA, John Ratcliffe, e Robert F. Kennedy Jr., na Saúde.

Ao mesmo tempo, a Casa Branca cortou o financiamento de entidades ligadas ao papa Francisco, como a Catholic Relief Service.

O PAPA REAGE – Vaticano respondeu, mudando de última hora a escolha do arcebispo de Washington DC e colocando o cardeal Roberto McElroy no cargo. O religioso tem sido um dos principais críticos da política de Trump. Se não bastasse, Francisco enviou uma carta aos bispos americanos, atacando medidas de deportação do novo presidente.

A reação da Casa Branca foi imediata. Homam sugeriu que o papa se ocupasse de sua própria instituição, enquanto JD Vance disse que o argentino “precisa se olhar no espelho”.

No último dia 28, num encontro com católicos, coube justamente ao vice-presidente liderar uma oração pela saúde do papa. Mas ele concluiu sua fala indicando as discordâncias entre o papa e seu governo.