Publicado em 1 de fevereiro de 2025 por Tribuna da Internet
André Marsiglia
Poder360
Dos abusos corriqueiros dos inquéritos sigilosos, em trâmite no STF desde 2019, destacam-se os vazamentos seletivos de informações à imprensa e o tribunal não permitir às partes e à defesa acesso à íntegra dos autos. À imprensa entregam o que é das partes, às partes, quase nada entregam.
Para não dizer que as ilegais ocorrências se dão em 100% das vezes, pode-se dizer que foram noticiadas em casos como de Filipe Martins, Daniel Silveira e, mais recentemente, no impedimento de acesso aos autos da defesa do general Braga Netto e no vazamento da delação de Mauro Cid.
“AMIGO DO AMIGO” – Eu mesmo passei por idêntica situação, tendo sido o primeiro advogado a atuar no inquérito das fake news, defendendo uma revista chamada Crusoé, que publicou à época uma reportagem cujo título era “O amigo do amigo de meu pai”, e foi censurada.
Não sabendo que a restrição se tornaria um modus operandi do Supremo, recordo-me de ficar surpreso com a negativa de acesso aos autos, pois havia – e ainda há – a súmula vinculante de número 14 do STF, garantindo acesso aos autos às partes e aos advogados.
Como levar a sério uma súmula que nem o próprio tribunal que a fez a respeita? Além disso, quando a censura foi levantada, soube primeiro pela imprensa e, muito depois, por vias oficiais.
LIVRO SOBRE CENSURA – Todo esse calvário jurídico está detalhado em meu livro “Censura por toda parte: os bastidores jurídicos dos inquéritos das fake news”.
As alegações do STF e ministro Alexandre de Moraes são sempre as mesmas. Dizem que os advogados falseiam a verdade, que recebem o que importa a seus clientes e que isso é o bastante.
Não, não é o bastante. Não se constrói uma defesa com base em um conteúdo editado. Não há, dessa forma, paridade de armas, pois o advogado defenderá seu cliente com base em um arremedo, mas seu cliente será julgado com base na íntegra dos autos, que são de conhecimento do juiz.
ACUSAÇÕES SECRETAS – No meu caso, cheguei a receber certa vez, por WhatsApp, mais do que entendiam ser a parte que me cabia do latifúndio inquisitorial dos inquéritos e, sem querer, acabei descobrindo que o STF, a pedido da Procuradoria-Geral da República, estava investigando até mesmo os leitores da revista.
Como fazer a defesa de acusações sem sentido, lançadas de surpresa no colo de advogados?
O STF e seus ministros sabem muito bem que isso não está certo e, quanto mais tiram as investigações da vista das partes e dos advogados, mais fica no ar uma indigesta pergunta: o que tanto escondem?
ILEGALIDADE – E mais, será que mostram à imprensa a totalidade do que escondem das partes? Duvido muito.
Por que pararam de cumprir a importantíssima Súmula 14, que garante o acesso da defesa à íntegra dos autos?
O que há de tão secreto nas investigações e julgamentos da Corte, que sua revelação causaria ao país um mal maior do que soterrar o direito à ampla defesa de tantas pessoas, soterrando no final a própria democracia?