quarta-feira, fevereiro 26, 2025

Advogado pró-PT quer programa ‘pé na bunda’ para ministros que não defendem governo Lula; leia entrevista

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Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas, influente grupo de juristas progressistas que atua em defesa do governo,26 de fevereiro de 2025 | 17:45

Advogado pró-PT quer programa ‘pé na bunda’ para ministros que não defendem governo Lula; leia entrevista

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Coordenador do Prerrogativas, influente grupo de juristas progressistas que atua em defesa do governo, Marco Aurélio de Carvalho brinca que após o programa Pé-de-Meia, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deveria lançar o “Pé-na-bunda” para demitir ministros que não se engajam na defesa do governo. “Não dá para fazer uma defesa protocolar, restrita à própria pasta, aos interesses imediatos ou de um grupo político. Os ministros precisam sair dos seus cercadinhos. É inadmissível que um governo com tantas entregas não tenha uma avaliação compatível”, afirma Carvalho, pontuando que a crítica não é generalizada.

Em entrevista ao jornal O estado de São Paulo, o advogado — que se autointitula “lulofanático” — sai em defesa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e garante que o fogo amigo contra ele tem como pano de fundo o debate sobre o pós-Lula, e não a agenda econômica. “É gente colocando o carro na frente dos bois.” Amigo pessoal de Lula, Carvalho garante que não há paralelo entre a delação de Mauro Cid e a Lava-Jato e defende a primeira-dama, Rosângela da Silva, que tem sido alvo de ataques de integrantes do governo. “As críticas a ela escondem, além da dimensão machista e misógina, um ciúme não declarado, não confessado, do relacionamento que ela construiu com o presidente Lula. Todo mundo sente que é um pouco dono do presidente e quer estar mais perto dele.”

Leia os principais trechos da entrevista.

Como você enxerga as comparações entre a delação de Mauro Cid e as da Lava Jato?

Não há paralelo possível, essa é uma comparação equivocada e desonesta. Nós continuamos acreditando que as delações não podem ser o único meio de prova e que se não estiverem acompanhadas de elementos que possam ser comprovados, devem ser desconsideradas. E seguimos defendendo que a espontaneidade é fundamental. O que o ministro Alexandre de Moraes fez é meramente protocolar. Ele apenas reforçou que o Mauro Cid tinha garantias legais, mas que, se mentisse, elas não valeriam para ele nem para seus familiares. A defesa do Bolsonaro está recortando o episódio sem contextualizá-lo. O alerta do ministro foi feito logo depois que vieram a público as gravações telefônicas do Cid desmentindo em privado o que disse em juízo. Quando o Moraes soube disso, o que ele fez? Pediu um novo depoimento e fez o alerta: “Olha, nós não estamos aqui brincando”.

Cid se contradisse em alguns momentos da delação. Você considera essa delação frágil?

Não. A delação dele é bastante coerente e relata fatos já comprovados nas investigações policiais e judiciais sobre o 8 de Janeiro. Ele menciona a minuta do golpe, que existe e foi apreendida. Diz também que havia um plano em curso para matar Lula, Alckmin, Alexandre de Moraes e uma quarta pessoa não identificada. Há vídeos mostrando pessoas em posições estratégicas para executar o plano. A narrativa de Mauro Cid, ao que parece, é coerente, espontânea e lastreou provas que já tinham sido obtidas ao longo das investigações. Mesmo que a delação fosse desconsiderada, isso não afetaria o julgamento do 8 de Janeiro, pois a denúncia da PGR é robusta e não dá a essa delação nenhuma centralidade. Outras provas sólidas comprovam a tentativa de golpe. Acho que estão dando a essa delação uma importância que ela não tem. Reitero que nunca houve na história de nenhuma democracia moderna uma tentativa de golpe tão fartamente documentada.

O ministro da Defesa, José Múcio, defendeu dosimetria nas punições dos atos de 8 de janeiro e soltar pessoas inocentes ou que tiveram pouco envolvimento como forma de pacificar o País. O senhor concorda?

É fundamental individualizar as condutas para a correta dosimetria da pena. Nisso, concordamos. O que não se pode é naturalizar o 8 de janeiro e isentar os envolvidos, inclusive os militares. A única forma de pacificar o País é não anistiar nenhum golpista, ao contrário do que disse o ministro Múcio. Inclusive, o silêncio dos militares é constrangedor e mantém sobre eles uma grave suspeição. Já que não houve envolvimento do alto comando, como alguns insistem em reiterar, incluindo o ministro, o próprio comando deveria repreender com veemência todos os militares que se envolveram na tentativa de golpe e instaurar procedimentos apuratórios internos para expulsá-los, com prejuízo dos vencimentos, da corporação.

O Múcio disse que o golpe não se consumou graças aos militares…

Não é verdade. É uma visão romântica e muito equivocada. Parte dos militares conspirou para que houvesse golpe. Não teve golpe porque as instituições reagiram à altura e porque o Brasil tem importância estratégica no mundo. Não há mais espaço para golpes no modelo tradicional, com armas e tanques.

Integrante do Prerrogativas, Kakay disse, em carta aberta, que Lula não faz política neste terceiro mandato. O Planalto cobrou explicações do Prerrogativas. Concorda?

Eu recebi essa carta com surpresa, nenhum de nós esperava que ela fosse veiculada nem que tivesse a repercussão que teve. Respeito o Kakay, mas ele ignorou fatos que provam o oposto do que ele próprio disse. O presidente estava se recuperando de um triste acidente que assustou o País e que teve como consequência uma nova cirurgia. Por recomendação médica, foi privado de contatos pessoais mais intensos e de uma agenda mais pesada por 45 dias. Ainda assim, na Granja do Torto, conversou com diversas lideranças, incluindo Arthur Lira, Rodrigo Pacheco, Davi Alcolumbre e Hugo Mota. Fez reuniões ministeriais, recebeu a bancada do PT e, na última semana, visitou quatro estados. Ele segue fazendo política 24 horas por dia. A carta foi usada para atacar a primeira-dama, o que é injusto. O próprio Kakay negou que ela fosse o alvo.

O que explica tantas críticas à primeira-dama dentro do próprio governo?

A Janja é uma militante comprometida com pautas progressistas, como sustentabilidade, meio ambiente, feminismo e igualdade de gênero. Ela é um ativo do PT e do governo. As críticas a ela escondem, além da dimensão machista e misógina, um ciúme não declarado, não confessado, do relacionamento que ela construiu com o presidente Lula. Todo mundo sente que é um pouco dono do presidente e quer estar mais perto dele. A ideia de que ela estaria afastando o Lula de algumas pessoas é tão machista que ninguém considera que ele próprio pode ter decidido não receber certas pessoas ou acabar o horário de trabalho às 23h, e não às 2h da manhã. É mais fácil atribuir a responsabilidade a ela. Janja virou alvo preferencial do bolsonarismo e, infelizmente, parte do campo progressista colabora com essas críticas sem perceber. Não há problema em ela ter influência no governo; esse espaço foi conquistado ainda como militante, antes de se tornar primeira-dama, embora a sua influência seja menor do que o dizem certamente. As pessoas romantizam um pouco a atuação da Janja no governo. Ela segue tendo o nosso carinho, a nossa solidariedade e o nosso apoio.

A aprovação de Lula caiu para 24%, a pior marca de seus mandatos, segundo o Datafolha. O que explica essa queda tão expressiva?

Essa pesquisa é um sinal de alerta, mas é uma fotografia do momento. Ainda há tempo até a eleição e, se perdermos, não será por falta de entrega. O País voltou a crescer, recuperou protagonismo internacional, a indústria e o varejo têm números positivos, e o crescimento do PIB superou as projeções de todos os especialistas. De toda sorte, estamos começando o segundo tempo do jogo. É fundamental que o presidente convoque os seus melhores jogadores e faça uma avaliação sobre o primeiro tempo. Se precisar desligar algum ministro, tenho certeza de que fará isso. Ninguém deve se apegar ao cargo. Eu brinco que o presidente teve sucesso com o Pé-de-Meia, um dos maiores programas educacionais da história, e agora poderia implementar o Pé-na-Bunda para quem não se engajar, não defender o governo e não entregar resultados. O presidente precisa ter total liberdade para recompor a equipe, e os partidos da base, assim como os ministros do primeiro escalão, devem compreender isso. Entendo que essas pesquisas são sintoma de um problema que não é só de comunicação. É também. Mas, acima de tudo, é um problema de posicionamento e de política, e isso precisa ser superado.

Como assim?

A defesa do governo não pode caber apenas ao presidente Lula. É importante que os ministros coloquem o coração na chuteira. Falta engajamento. Não quero ser injusto, não me refiro a todos, mas essa partida é de final de campeonato, não dá para fazer uma defesa protocolar, restrita à própria pasta, aos interesses imediatos ou de um grupo político. Os ministros precisam sair dos seus cercadinhos. É inadmissível que um governo com tantas entregas não tenha uma avaliação compatível. E quando falo que é um problema de posicionamento, é porque precisamos amarrar melhor as políticas públicas e voltar a dialogar com os sonhos dos brasileiros. Precisamos ser mais claros em relação ao que fizemos e estamos fazendo. Precisamos mostrar o Brasil que recebemos e o que estamos entregando.

Uma ala do PT defende uma “guinada à esquerda” na segunda metade do mandato. É o melhor caminho?

A saída não está por aí. O presidente não abre mão dos princípios e propósitos que marcam a esquerda no Brasil e no mundo. Todas as nossas políticas têm esta marca. Mas precisamos ampliar ainda mais nosso arco de alianças para dialogar com setores médios da população e recuperar a confiança de outros. Temos agora uma oportunidade primorosa: formar uma aliança com o setor produtivo para criar barreiras de contenção a essas políticas do Trump. A melhor saída para a própria elite brasileira é reeleger o presidente Lula, com a compreensão de que todos precisam dar uma colaboração mais efetiva para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Tem espaço para ampliar mais do que em 2022?

Há um esforço em setores da sociedade e do mercado para criar alternativas dentro da chamada “direita civilizada”. Isso é uma falsa verdade. A direita civilizada está governando com Lula. Não há alternativas democráticas viáveis fora do arco de alianças que ele formou para governar o País, e a gente explora mal isso. Ampliar é sempre possível, mas com quem tem compromisso com a democracia e com as instituições. O PSD precisa ser mais claro, tem deixado o pé nas duas canoas. O Kassab foi bastante infeliz em algumas críticas ao Haddad e ao próprio presidente Lula. Ou você está com a gente ou não está. Tem que assumir o risco e as consequências…

Como você avalia a forma como o governo tem lidado com a pauta da segurança pública? A PEC da Segurança pública já é vista como inviável pelo Planalto

A gente pode e deve trabalhar melhor esse tema. Temos que pautar a discussão da PEC da Segurança Pública com a centralidade que ela merece. É um jogo de ganha-ganha: se perdermos, ganhamos por ter proposto o debate; se vencermos, ganhamos ainda mais. O ministro Lewandowski precisa de apoio. É um luxo para o País ter um ministro da qualidade dele. Esse tema precisa ter maior centralidade e engajamento, especialmente do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Não dá para deixar o Lewandowski sozinho nessa discussão. Quem não faz gol, toma.

Você citou o Rui Costa, que é alvo de reclamações. A atuação prejudica o governo?

Talvez ele tenha que se abrir um pouco mais para escutar as pessoas. Existem críticas generalizadas e reiteradas em relação a ele, e tenho certeza de que ele terá a grandeza necessária para ouvir e absorver o que é importante, pensando no sucesso do governo. Rui é leal e competente. Tenho certeza de que dará uma colaboração ainda maior a este governo.

Outro ministro alvo de críticas dentro do governo é Fernando Haddad. Como avalia esse fogo amigo em relação a ele?

O Haddad é um quadro técnico da maior qualidade e tem a confiança do presidente. As críticas a ele camuflam outros objetivos. É gente colocando o carro na frente dos bois, antecipando o debate sobre o pós-Lula. O real objetivo dessas críticas é enfraquecer Haddad para um cenário futuro, que só será uma realidade a partir de 2030. Até lá, todos nós do campo progressista vamos apelar para que Lula seja candidato em 2026 e conduza sua própria sucessão. No mais, Haddad tem sido um magnífico ministro, e a Fazenda, ao lado da AGU, é uma das pastas com maior entrega.
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Bianca Gomes/EstadãoPoliticaLivre