sexta-feira, janeiro 24, 2025

Israel suspendeu a guerra em Gaza, mas continua a fazer ataques na Cisjordânia


Israelenses aguardam em praça de Tel Aviv a liberação de reféns pelo Hamas

Famílias dos reféns aguardam que eles sejam libertados

Wálter Maierovitch
do UOL

Assim como na Argentina, onde na praça de Maio reuniam-se as resistentes mães da associação das vítimas desaparecidas pela brutal e assassina ditadura militar, os familiares dos reféns israelitas do terrorismo de 7 de outubro de 2023 reúnem-se, uma vez por semana, na chamada praça dos Reféns, em Tel Aviv.

Depois da euforia de domingo passado, com a libertação das três primeiras reféns das 33 previstas para a primeira fase da trégua provisória entre Hamas e Israel, uma tempestade de dúvidas e temores trovejou e toma conta da praça dos Reféns.

NA CISJORDÂNIA – Nesta terça-feira, dia 21, numa operação antiterrorismo chamada Muro de Ferro, executada pelas forças de Israel (IDF) e o Mossad, a agência de espionagem externa do Estado da estrela de David, a cidade de Jenin, na Cisjordânia, foi palco de sete mortes de palestinos suspeitos, com 25 feridos.

De imediato, o Hamas emitiu nota exortando os palestinos de Gaza a uma reação armada, no contexto do que foi chamado de resistência palestina.

Os familiares dos atuais 95 reféns do Hamas começaram a temer pelas futuras libertações, a próxima estabelecida para o sábado (25). E lembraram do alerta do premiê Benjamin Netanyahu: “A trégua é temporária”.

JENIN E RAMALLAH – A operação Muro de Ferro ocorreu na Cisjordânia, que se encontra sob governo da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Jenin é uma cidade agrícola e a terceira em importância na Cisjordânia não ocupada.

Nos acordos de Oslo, a Cisjordânia, dividida em três partes, ficou com uma parte sob o governo da ANP, tendo à frente o velho Mahmoud Abbas, dado como corrupto e que não convoca eleições.

As duas outras partes estão ocupadas por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Nelas, junto com Jerusalém oriental, Israel abusivamente realiza assentamentos e pratica o apartheid contra os palestinos.

CASA DE PRAIA – O Hamas, desde a retirada das tropas de ocupação de Israel em 2005, governa a faixa geográfica de Gaza, cuja capital é Ramallah.

Nas eleições de 2006 em Gaza, o Hamas venceu o Fatah de Mahmoud Abbas, que nunca mais pisou lá —sua casa de praia permanece fechada.

Com efeito, a trégua provisória de 42 dias, com a entrega de reféns pelo Hamas e a libertação de cerca de mil palestinos presos em Israel, é válida para Gaza. Portanto, o cessar-fogo nada tem a ver com a Cisjordânia.

GUERRA ETERNA – A manifestação do Hamas em face das mortes em Jenin teve como chave de leitura, em especial na praça dos Reféns, a certeza de que a organização está combativa, com os mesmos propósitos e disposta a continuar a guerra, envolvendo os palestinos da Cisjordânia e o rompimento com a ANP.

As temerosas famílias dos reféns recordam as rápidas mudanças que sempre ocorrem nos cenários médio-orientais e se desesperam. Por exemplo, lembram da surpreendente Primeira Intifada (1987) em Gaza, contra a ocupação por Israel, com reação pesada do então premiê Ariel Sharon.

Para muitos, Bibi Netanyahu, com o presidente americano Donald Trump na retaguarda, continua imprevisível e, nas suas palavras, a “trégua é provisória”.

SEM SOLUÇÃO? – Em Israel, até as pedras sabem que o nó górdio da trégua não foi desatado. Ou seja, não há consenso sobre quem vai governar Gaza. Israel não aceita o Hamas e só concorda com o governo pela ANP se ela for renovada.

O Hamas não vai aceitar ficar de fora, apesar de estar fragilizado no momento, fragilizado e de manter em Gaza uma liderança de fato que recai em Mohammed Sinwar.

Mohammad Sinwar, de 50 anos, é irmão de Yahya Sinwar, morto em 6 de outubro de 2024. Ele era o único chefe militar territorial e foi o estrategista do terror do 7 de outubro. Pelas notícias vindas de Doha, capital do Qatar e sede das negociações da trégua, tudo passou pela aprovação de Mohammed Sinwar, dado como bem escondido em Khan Younis, onde nasceu.

UMA AGRAVANTE – Mohammed Sinwar tem, pelo que foi levantado pelas agências de inteligência, perfil explosivo, capaz de matar por impulso, sem pestanejar.

Mohammed participou do sequestro do soldado Gilad Shalit, que passou cinco anos em cativeiro em Gaza. Foi trocado por 1.700 prisioneiros palestinos, dentre eles, Yahya Sinwar.

À luz do direito internacional, em terra palestina o governo deve ser palestino, com os seus representantes eleitos democraticamente. O medo das famílias da praça dos Reféns não é sem causa, não é um temor gratuito.