Publicado em 20 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet
Demétrio Magnoli
Folha
O acordo oficial de cessar-fogo em Gaza, que está nas manchetes, inclui outros dois acordos ocultos sobre os quais se sustenta. Os três têm a marca de Trump. O primeiro, formal, assinala derrotas para Israel e para o Hamas. Israel aceita retirar parcialmente suas forças sem destruir o Hamas, objetivo declarado pelo governo de Netanyahu, e paga um preço elevado com a libertação de centenas de valiosos presos palestinos.
O Hamas, degradado à condição de insurgência guerrilheira, fica isolado regionalmente após a queda da ditadura síria, a derrota militar do Hezbollah e a humilhação do Irã.
DOIS VITORIOSOS – Desse acordo, emergem dois vitoriosos. Os palestinos de Gaza ganham um respiro em meio à colossal tragédia humanitária que se estende por 15 meses.
Trump surge como patrocinador da paz, antes ainda de sua posse. Mas a guerra está nas cartas dos acordos subterrâneos.
O segundo acordo é entre Netanyahu e os ministros supremacistas que mantêm seu governo à tona. Smotrich e Ben Gvir obtiveram do primeiro-ministro as promessas de expandir os assentamentos israelenses na Cisjordânia e, além disso, de retomar a ofensiva em Gaza após a fase 1 do cessar-fogo.
LIMPEZA ÉTNICA – Os dois supremacistas votaram contra o acordo, mas não derrubarão o governo. No lugar disso, farão gestos vazios dirigidos à sua base política —e, sobretudo, oferecerão as promessas informais extraídas de Netanyahu. A meta final deles é a limpeza étnica em Gaza e a recolonização israelense do território palestino.
O terceiro acordo é entre Netanyahu e Trump. Basicamente, trata-se de um compromisso pela derrota total do Hamas — ou seja, de deposição das armas e exílio de seus combatentes ou de extermínio físico deles.
Os sinais estão em declarações públicas dos dois lados.
ACORDO TRADUZIDO – Lado israelense. Um “oficial sênior”, senha utilizada por Netanyahu para dizer aquilo que não pode dizer, emitiu um comunicado com a seguinte passagem: se, nas negociações da fase 2, “o Hamas não concordar com as exigências de Israel para o fim das hostilidades (os objetivos da guerra), Israel permanecerá no Corredor de Philadelphi até nova notícia”. Tradução: Israel retomará a ofensiva caso não obtenha a rendição completa do Hamas.
No lado dos EUA, Pete Hegseth, o indicado por Trump para o Pentágono, afirmou o seguinte na sua audiência de confirmação no Senado: “Eu apoio Israel destruir e matar até o último integrante do Hamas”. Quase simultaneamente, Mike Waltz, novo conselheiro de Segurança Nacional, esclareceu: o Hamas “deve ser destruído até o ponto em que não possa mais se reconstruir”.
Foi ainda mais explícito numa entrevista à Fox News. Na hora em que o cessar-fogo era anunciado por Biden, pediu a atenção do “povo de Israel”: “se precisarem voltar para dentro, estaremos com eles”.
DIA SEGUINTE – Trump jamais criticou Israel pela ausência de um plano político para o “day after”. Essa é a crítica impotente mantida por Biden e Blinken. Do ponto de vista de Trump, o erro de Israel foi conduzir uma guerra lenta que se converteu num desastre de relações públicas.
O novo ocupante da Casa Branca aposta na rendição completa do Hamas —e, na falta disso, numa etapa decisiva de ações militares.
Assinando o cessar-fogo, Netanyahu assume o risco da queda de seu governo. Mas enxerga uma porta de saída na qual está pintado o nome de Trump.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É triste constatar que a paz duradoura é apenas uma ilusão no Oriente Médio, enquanto Netanyahu estiver no poder. Sem ele, pode ser que a situação melhore e possa haver dois Estados. Devemos manter a esperança, porque sem ela nada existe. (C.N.)