segunda-feira, janeiro 20, 2025

Biden ganhou 44 presentes durante mandato, mas lei determina que eles sejam doados

 

Biden ganhou 44 presentes durante mandato, mas lei determina que eles sejam doados

Por Julia Chaib | Folhapress

Biden ganhou 44 presentes durante mandato, mas lei determina que eles sejam doados
Foto: Reprodução / YouTube

Ao se despedir da Casa Branca nesta segunda-feira (20), o presidente Joe Biden não deixa para trás só o cargo, como também dezenas de presentes que ganhou desde que assumiu, em 2021.
 

Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos, a lei é clara: funcionários federais são proibidos de permanecer com presentes dados por autoridades estrangeiras que ultrapassem US$ 480, o equivalente a cerca de R$ 2.910.
 

Segundo o protocolo do governo, o recebimento desses itens precisa ser informado à área responsável. Cabe, então, a esse órgão definir o destino deles. A maioria vai para o Arquivo Nacional dos EUA. Alguns, como alimentos perecíveis, são transferidos para a agência que regula a saúde pública, e outros acabam destruídos.
 

Segundo a lei, se o presidente ou outro funcionário quiser manter a prenda, é necessário pagar o valor de mercado do item ao governo.
 

Relatório do Departamento de Estado americano divulgado neste mês afirmou que, até o ano retrasado, Biden havia ganhado 44 presentes de autoridades estrangeiras. O mais caro foi um álbum de fotos comemorativo dado pelo presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, e avaliado em US$ 7.000 (cerca de R$ 42 mil).
 

Lula deu ao presidente americano um banco de madeira orçado em US$ 1.170 (por volta de R$ 7.200).
 

No mesmo período, a primeira-dama, Jill Biden, ganhou 21 presentes. Apesar de a quantidade de itens ser menor do que aquela recebida pelo marido, foi ela quem ganhou o item mais caro da lista divulgada pelo governo. Em 2023, ela ganhou do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, um diamante de laboratório de 7,5 quilates avaliado em US$ 20 mil (R$ 120 mil). O governo informou que este item por ora está em uso oficial na Ala Leste da Casa Branca, sem dar mais detalhes.
 

Assessores da primeira-dama informaram a jornais americanos que a joia deve ser transferida ao Arquivo Nacional quando ela deixar a Casa Branca.
 

Além deles, a vice-presidente, Kamala Harris, está entre os membros do governo mais presenteados, segundo o relatório. Ela ganhou nove presentes de autoridades estrangeiras até 2023.
 

O mais caro foi um conjunto de objetos dados pelo presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, estimado em US$ 4.025 (R$ 24,4 mil). Este consistia em um álbum de fotos da visita de Kamala ao país; um broche de ouro no formato da África com tanzanita e esmeralda zambiana; uma escultura de madeira que representava uma pessoa tocando um instrumento; dois panos; e uma pintura que mostrava um elefante.
 

O governo considera que os objetos superiores a US$ 480 pertencem ao povo dos EUA. No relatório divulgado pelo Departamento de Estado, também consta a justificativa pela qual a autoridade que recebeu o presente não o recusou. Na grande maioria dos casos, a razão elencada foi a de que "a não aceitação causaria constrangimento ao doador e ao governo dos EUA".
 

A forma como os EUA lidam com os itens dados por autoridades estrangeiras difere daquela do Brasil, cujas leis sobre o tema são bem mais genéricas. Nos últimos anos, presidentes se aproveitaram da ambiguidade da lei para tentar manter presentes de Estado.
 

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, foi indiciado em julho do ano passado pela Polícia Federal junto com mais 11 pessoas em uma investigação sobre a venda de joias recebidas da Arábia Saudita.
 

Para a PF, o ex-presidente utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor oferecidos a ele por autoridades estrangeiras.
 

A investigação teve origem quando o jornal O Estado de S. Paulo revelou que assessores de Bolsonaro tentaram entrar no Brasil com artigos de luxo recebidos do regime saudita sem comunicar a Receita Federal.
 

O ex-presidente e aliados tentaram vender nos EUA estes e outros artigos recebidos ao longo de sua gestão. Como mostrou a Folha, parte das joias, da grife Chopard, chegou a ir a leilão mas não foi comprada, o que forçou assessores do ex-presidente a mudarem seus planos e vendê-las diretamente.
 

Em 2023, o TCU determinou que o ex-presidente devolvesse à União as joias que foram omitidas da Receita Federal. Isso levou assessores de Bolsonaro a recomprarem os itens que haviam sido vendidos.
 

Bolsonaro foi indiciado sob suspeita dos crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos).
 

Com a repercussão do caso, aliados de Bolsonaro pediram ao TCU que determinasse também a devolução de um relógio Cartier Santos Dumont confeccionado em ouro branco e avaliado em R$ 60 mil que o presidente Lula (PT) recebeu da própria fabricante durante uma visita a Paris em seu primeiro mandato.
 

A lei do Brasil define que o presidente pode ficar com bens "de natureza personalíssima", mas que aqueles com alto valor de mercado são do Estado —não há uma quantia determinada, no entanto.
 

A maioria do TCU entendeu que esses conceitos não estão bem definidos e, até que haja lei específica regulamentando e definindo esses conceitos, não é possível classificar os artigos recebidos durante o mandato como bens públicos.
 

Pela tese, não haveria necessidade nem de Lula nem de outro presidente devolver esse tipo de artigo à União. Isso abriu brecha para Bolsonaro contestar a decisão anterior que o havia feito devolver as joias sauditas. A reação do ex-presidente provocou revolta do petista, que recorreu da decisão do TCU que o beneficiaria.
 

Lula afirmou a aliados em mais de uma ocasião que devolveria o relógio Cartier ao tribunal, reclamando de ter sido usado para beneficiar Bolsonaro. Até a semana passada, porém, ele continuava com o artigo.