sexta-feira, setembro 27, 2024

Inelegibilidades eleitorais

 

Inelegibilidades 

eleitorais

A legislação que salvaguarda a moralidade e a probidade na política brasileira

Por André Ramos Tavares,                                                                                       Ministro do Tribunal Superior Eleitoral e professor na USP e no Ibec.

As situações que tornam o indivíduo inelegível e o impedem de concorrer a cargos político-eletivos estão presentes em várias Constituições ao redor do mundo, não sendo uma novidade do Direito brasileiro. 

Por aqui, as inelegibilidades foram criadas com os objetivos principais de garantir a boa gestão da coisa pública, a ocupação dos cargos por pessoas comprometidas com a moralidade e a probidade administrativa e assegurar a normalidade e a legitimidade das eleições contra influência do poder político, econômico ou abuso no exercício da função pública. Também têm o objetivo de impedir que grupos familiares se perpetuem no poder, como é de se esperar em uma República.

Invocar a moralidade e a probidade administrativa para estabelecer inelegibilidades é um fenômeno recente. Na Constituição de 1988, essas hipóteses não constaram da redação original, tendo sido incluídas em 1994. Portanto, hoje, as inelegibilidades têm esses objetivos — bem mais amplos se comparadas às Constituições anteriores. Nessa conformação, trata-se de instituto fundamental à democracia, cuja estabilidade depende de nossa permanente atenção para que se promova sua defesa em relação àqueles que operam contra os seus fundamentos e valores constitucionais da liberdade do eleitor, muitas vezes por meio da difusão de fake news. E, com a Lei Complementar 64/90, passamos a ter aproximadamente 70 hipóteses de inelegibilidades. Há, pois, uma certa vastidão nesse tema. 

As inelegibilidades são temporárias no Brasil — e personalíssimas. É assim que, por exemplo, condenado um candidato a prefeito, digamos, por abuso de poder econômico, tornando-se inelegível, ao seu vice não se estende a inelegibilidade, caso o sujeito em questão não tenha praticado nem participado desses atos abusivos. As inelegibilidades são, ainda, de interpretação estrita. Em aplicação dessa característica, decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2004, da relatoria do ministro Fernando Neves, determinou que os inelegíveis podem, “por exemplo, votar e participar de partidos políticos”. 

Vou me referir, aqui, a duas situações mais concretas, recorrentes na Justiça Eleitoral. Na primeira, a Constituição estabelece como inelegíveis os prefeitos que tenham exercido dois mandatos políticos sucessivos. Com isso, entende-se que é vedado que concorram a um terceiro mandato consecutivo, ainda que para outro município — o que é conhecido como “prefeito itinerante” ou “prefeito profissional”. Protege-se, novamente, a alternância efetiva no poder.

Outra situação a ser lembrada é dos partidos políticos que indicam candidatas com o propósito comprovado de burlar o cumprimento da cota de gênero. Isso se verifica, por exemplo, quando há, para as candidatas, votação zerada ou pífia, ausência de campanha eleitoral da própria candidata, inclusive em redes digitais — às vezes havendo campanha efetiva, mas para outro candidato —, além da prestação de contas zerada, padronizada ou sem movimentação financeira. 

O tema foi sintetizado em maio de 2024 pelo TSE na Súmula 73, especialmente destinada ao processo eleitoral que se avizinha.

Reconhecido esse ilícito, pela Justiça Eleitoral, em prejuízo da participação da mulher na política e em afronta direta à lei e à Constituição, tem-se, em caso de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), a cassação do diploma com automática inelegibilidade das envolvidas e a nulidade dos votos dados ao partido que praticou a fraude.

Ainda tratando do tema, não poderia deixar de lembrar que, neste ano, a chamada “Lei da Ficha Limpa” completa 14 anos de existência. Fruto da vontade popular, em proposição que contou com mais de um milhão de assinaturas, a legislação promoveu alterações significativas na Lei de Inelegibilidade. Essas mudanças se deram, principalmente, em prol da probidade administrativa e da moralidade no exercício do mandato. A Lei da Ficha Limpa também ampliou, em alguns casos, o período em que o candidato fica inelegível. Por isso, o período de inelegibilidade atual, em casos de abuso do poder econômico ou político, não é mais de três anos, e sim de oito anos.

As mudanças implementadas pela Constituição cidadã, pela Lei da Ficha Limpa e pela Lei de Inelegibilidade, sob a atenção e concretização permanentes da Justiça Eleitoral, contribuem para a efetivação dos objetivos centrais de uma sociedade organizada, quais sejam, e para assegurar a vontade livre dos eleitores, transformando-a em mandato, a partir da presença de candidatos que, em sua vida pregressa, mostraram-se comprometidos com os postulados essenciais à democracia e à República.