Publicado em 3 de abril de 2024 por Tribuna da Internet
Joel Pinheiro da Fonseca
Folha
Jesus, pendurado na cruz em sua agonia final, é observado por um grupo de soldados romanos, um dos quais exclama: “Bandido bom é bandido morto”. Essa imagem, mais a sucinta legenda “Boa Sexta-feira Santa!”, foi o post feito pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) em sua rede social na sexta-feira. O que se seguiu foi um verdadeiro Carnaval de indignação.
Além de pastores, entraram na dança políticos como Bia Kicis, Magno Malta, Nikolas Ferreira, Carla Zambelli, Kim Kataguiri; todos aproveitaram para rasgar as vestes. O prefeito de São Paulo não deixou por menos: “Na sexta-feira Santa, ver uma postagem dessas é de cortar o coração. Um sacrilégio. Essa turma do Boulos só ataca a tudo e a todos. Estou indignado”.
OUTRA VISÃO – Não há sacrilégio, blasfêmia ou qualquer insulto a Jesus no post. Basta ler com boa-fé. Jesus não foi comparado a um bandido. “Bandido” é como as autoridades romanas o viam, e por isso o executaram. Da mesma forma, diz a esquerda, tantos são executados no Brasil sob o argumento de que seriam “bandidos”.
O alvo tampouco é a coletividade dos cristãos. O escárnio é dirigido a quem defende o lema “bandido bom é bandido morto” e ao mesmo tempo é (ou se diz) cristão. É um grupo grande, mas não tem o monopólio da fé. Segundo o post, caso estivessem vivos lá na Palestina do século 1, estariam do lado dos que mataram Jesus. Ou seja, embora professem a religião, seus valores seriam profundamente anticristãos.
A crítica acerba aos “cidadãos de bem” é uma das mais antigas tradições cristãs, que aliás começou com o próprio Jesus ao desferir suas invectivas contra fariseus e doutores da lei. Depois dele, vimos a mesma coisa em figuras como Martinho de Tours, Francisco de Assis, John Wesley, Martin Luther King e Oscar Romero.
OPORTUNISMO – É óbvio que a mobilização de lideranças religiosas e políticas não passa de oportunismo político. Isso fica evidente na tentativa de ligar Boulos ao post.
O ponto relevante, contudo, é que esse oportunismo funciona. Milhões de pessoas se sentiram ofendidas e realmente viram no post um ataque à sua fé.
Já não vivemos em tempos de boa interpretação de texto. E o contexto também não ajudou. O post ser feito na Sexta-feira Santa com um desejo irônico de “feliz dia” ao lado da imagem terrível sublinha sua intenção de provocar. Não é exatamente o sentimento mais positivo para se cultivar num dos dias mais solenes para a maioria dos cristãos.
FORA DE LUGAR – Além disso, o MTST pouco fala sobre religião. Não tem o “lugar de fala” para fazer sua crítica. Sim, os cristãos estão plenamente imersos no caldo identitário em que vivemos, no qual “quem” diz é mais importante do que o que é dito.
Com razão ou não, o post criou um problema político para Boulos, e nos lembra como a fé cristã no Brasil está profundamente identificada à direita. O trabalho de torná-la independente das ideologias políticas é de longo prazo e terá que ser feito por pessoas de dentro das igrejas, e não por críticos externos.
A esses, cabe não hostilizar gratuitamente, o que só aumenta o problema e traz altos custos políticos. Não é à toa que todos os grandes reformadores foram crentes devotos.