PF associa US$ 172 mil encontrados em casa de suspeito a verba sigilosa da Abin
A investigação da Polícia Federal no caso da “Abin paralela” associa os US$ 172 mil em espécie encontrados na casa do então número 3 da agência a um suposto e atípico direcionamento da verba sigilosa da instituição para o gabinete do ex-diretor-geral do órgão de inteligência e hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Na primeira busca e apreensão realizada no âmbito do inquérito, em outubro, a PF encontrou o dinheiro na casa do então secretário de planejamento de gestão da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Paulo Maurício Fortunato.
Relatório da PF que está sob sigilo, e ao qual a reportagem teve acesso, sinaliza a hipótese de desvio da verba sigilosa usada em operações de inteligência para explicar a origem do dinheiro.
O relatório, que é datado do final de novembro, ou seja, mais de um mês depois da apreensão do dinheiro, afirma que até aquele momento não havia referência da origem dos dólares, podendo configurar “outra extirpe de delitos” além da investigada —o uso do software espião FirstMile para bisbilhotar ilegalmente adversários políticos.
Além da ausência de origem definida, a PF toma como base para fazer essa associação mais dois pontos.
O primeiro, o de que as notas de US$ 50 e US$ 100 apresentavam o mesmo estado de conservação e estavam divididas em blocos de série distintas, o que, segundo os investigadores, seria de difícil obtenção por uma pessoa comum, mas possível para instituições.
A segunda é o depoimento do ex-servidor da Abin Rodrigo Colli, que é um dos pivôs do caso FirstMile.
Ele e um colega sofreram processo administrativo interno por supostamente terem participado de uma licitação do Exército por meio de laranjas. Devido a isso, teriam ameaçado denunciar irregularidade no uso do FirstMile caso fossem punidos (os dois foram presos e acabaram demitidos pelo governo Lula no dia da operação da PF, em outubro).
Colli afirmou, de acordo com a transcrição feita pela PF, que em 2021 houve um direcionamento de verba sigilosa para o gabinete de Ramagem, o que teria causado estranhamento interno já que a direção-geral da agência não participa de operações de inteligência.
Disse ainda que a verba secreta era usada por meio de cartões e os valores, sacados em espécie.
Por fim, afirmou ter ouvido na agência que a saída de Fortunato da função que ocupava na Abin à época —ele esteve em cargos de chefia na agência durante a gestão passada— se deu “em razão de divergência com Ramagem sobre o uso da verba sigilosa”.
Em troca de mensagens que a PF também teve acesso, Fortunato diz que a maior parte da verba sigilosa alocada no gabinete de Ramagem era usada em viagens internacionais do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Questionado, Ramagem não respondeu às perguntas enviadas à sua assessoria.
Em entrevista à GloboNews no dia da operação, o deputado, que é pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, negou qualquer utilização ou relação com softwares de espionagem da Abin e disse não ter tido acesso a informações sobre as investigações.
Na ocasião, Ramagem afirmou que há uma “salada de narrativas […] sem conjunto probatório” e que nunca utilizou, teve acesso ou sequer teve as senhas do FirstMile. “Nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas.”
Fortunato não quis se manifestar. No dia da operação, a PF tentou tomar seu depoimento, mas ele optou naquele momento pelo direito de permanecer em silêncio.
Afastado do cargo por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o então diretor da Abin foi exonerado pelo governo dias depois da operação de outubro.
O relatório da PF do final de novembro serviu de base para que Moraes autorizasse a segunda operação de busca e apreensão do caso, dessa vez tendo os endereços de Ramagem como alvo, entre outros.
A PF pediu no relatório o afastamento do ex-chefe da Abin do cargo de deputado federal.
Moraes, porém, disse em sua decisão que não vislumbrava até aquele momento necessidade de adotar a medida, reproduzindo posição em igual sentido da PGR (Procuradoria-Geral da República), mas que isso poderia ser reanalisado caso Ramagem voltasse a usar a prerrogativa de parlamentar para tentar interferir nas investigações.
O ex-chefe da Abin chegou a ir na audiência fechada da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso que ouviu em outubro o atual diretor da agência, Luiz Fernando Corrêa, justamente sobre as investigações do uso do software durante a gestão Ramagem.
Moraes fez referência ainda aos requerimentos de informação feitos por Ramagem sobre as investigações das quais ele era alvo e disse que eventuais respostas dadas por órgãos como CGU (Controladoria-Geral da União), PGR e Abin deveriam ser submetidas a ele, “em face do sigilo das investigações”.
A Abin está no foco do inquérito da PF desde março do ano passado, sob suspeita de, na gestão Bolsonaro, ter sido usada para bisbilhotagem ilegal de adversários do então presidente. Isso teria ocorrido por meio do FirstMile, software capaz de dar a localização aproximada de uma pessoa por meio das ondas da telefonia celular.
Moraes autorizou operações de prisão, busca e apreensão realizadas em outubro passado e em janeiro deste ano.
Além de Ramagem, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente da República, também foi alvo de operação de busca no dia 29 de janeiro.
Na ação relativa a Carlos, a PF mirou pessoas que supostamente foram destinatárias das informações produzidas de forma ilegal pela agência de inteligência do governo.
ENTENDA AS INVESTIGAÇÕES DE UMA ‘ABIN PARALELA’
Uso ilegal da agência
A Polícia Federal apura a existência de uma estrutura paralela na Abin para rastrear adversários políticos de Jair Bolsonaro (PL);
FirstMile
É um software de monitoramento usado pela Abin entre 2019 e 2021; ele acessava dados de geolocalização dos rastreados, e não podia interceptar ligações;
Alvos
Alguns dos investigados são Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da agência, e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ)
Ranier Bragon/Folhapress