terça-feira, janeiro 30, 2024

Quem impediu Mantega de presidir a Vale foi um “Tribunal” que funciona

Publicado em 30 de janeiro de 2024 por Tribuna da Internet

Charge do Néo Correia (Veja)

Mario Sabino
Metrópoles

A notícia é exemplar, no sentido de ilustrativa. Lula desistiu de presentear Guido Mantega com a presidência da Vale. Ou melhor, de retribuir o ex-ministro da Fazenda com um salário de 59 milhões de reais por ano pela lealdade demonstrada durante a Lava Jato.

É que Lula descobriu que a Vale não é mais do governo e que não poderia, assim, “reparar uma injustiça” com dinheiro alheio. Quer dizer, ele sabe disso, mas não se conforma que a empresa tenha outros donos.

PATRIMONIALISTA – É difícil mesmo convencer político patrimonialista, com o perdão da redundância, de que nem tudo no Brasil lhe pertence. Ainda mais político patrimonialista de esquerda, daqueles que acordam e vão dormir pensando em salvar a humanidade dela própria. O governo detém apenas 8% do capital da mineradora, ainda assim de forma indireta, por meio da Previ.

Os acionistas da Vale tiveram de pagar caro pelo capricho frustrado de Lula. Foi só o jornalista Lauro Jardim noticiar que o ministro de Minas e Energia havia ligado para investidores graúdos da Vale para dizer que o inquilino do Planalto queria que Guido Mantega presidisse a empresa, já que dotado de toda aquela radiosa incompetência que lhe é peculiar, e as ações da Vale despencaram.

O valor de mercado da mineradora encolheu 39 bilhões de reais.

CARTA NA MANGA – No curto espaço de tempo em que o sonho de Lula e de Guido Mantega durou, jornalistas noticiaram despudoradamente que o governo tinha uma carta na manga para dobrar os acionistas da Vale: as licenças ambientais de que a mineradora precisa para funcionar.

É isto aí, malandragem: para colocar o amigo lá, Lula recorreria à chantagem, caso fosse preciso. Mas o “Superior Tribunal do Mercado”, a única instituição do país que ainda funciona, evitou que a vigarice fosse adiante. Eu disse que esses jornalistas noticiaram despudoradamente a chantagem, mas o advérbio correto é “candidamente”.

Eles não sabem o que dizem, coitados. Bom era o tempo em que a maioria dos jornalistas tinha viés político forjado na militância, companheiros. O sujeito, aliás, orgulhava-se de dizer que “militava no jornalismo”. Hoje, a maior parte é só mesmo ignorante, de uma ignorância da moralidade que a torna imoral, para não falar do mau português igualmente escandaloso. Ainda bem que não é o caso das moças já não tão moças que leem mensagens de autoridades amigas na TV com a certeza de que estão dando notícia em primeira mão.

EXEMPLO DA VEJA – Jornalista que militava no jornalismo, sem tentativa de parecer imparcial, pelo menos não muita, era uma beleza. A Vale, ela própria, ensejou uma das melhores histórias de que fui testemunha ocular e auricular. A coisa ocorreu no século cada vez mais passado, quando eu era um simples editor da Veja.

A equipe do então diretor-adjunto da revista fez uma reportagem enorme sobre os benefícios da privatização da Vale, antes de ele entrar em férias bem tiradas como a deste colunista. Só que o redator-chefe na época, petista mais intransponível do que as águas do São Francisco, não se resignou.

No comando de um escrete de bravos rapazes, o redator-chefe aproveitou a ausência do diretor-adjunto e publicou na semana seguinte — literalmente, apenas sete dias depois — uma reportagem do mesmo tamanho da primeira sobre o insucesso da privatização da Vale.

APENAS UM DETALHE – Os leitores da Veja não entenderam nada desse estranho contraditório, mas jornalista que milita não tem preocupação com esse detalhe, os leitores.

Você há de perguntar: e o diretor de redação da revista, onde estava? Estava lá na sala dele. A reportagem positiva sobre a privatização da Vale — a correta — era homenagem ao patrão; a reportagem negativa sobre a privatização da Vale — a errada — era satisfação à redação povoada de petistas, entre os quais o diretor figurava como impávido colosso.

Sem Guido Mantega na presidência da Vale, Lula e os seus sequazes voltaram a falar de Brumadinho, como se a tragédia fosse necessariamente decorrência da privatização da empresa. Entende-se: é que o Estado brasileiro cuida tão bem dos cidadãos, que é culpa do “racismo ambiental” tantos pobres morrerem soterrados em seus casebres a cada tempestade de verão em janeiro.