terça-feira, janeiro 30, 2024

Especialistas alertam que regulamentação da IA é necessária, mas deve ser feita com responsabilidade


Por Thiago Teixeira

Especialistas alertam que regulamentação da IA é necessária, mas deve ser feita com responsabilidade
Foto: Rawpick / Freepick

Transparência, segurança, confiabilidade, proteção da privacidade, dos dados pessoais e do direito autoral. Tudo isso deve ser abordado juntamente com o respeito à ética, aos direitos humanos e aos valores democráticos, no PL 2.338/2023 que trata da regulamentação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. Especialistas procurados pelo Bahia Notícias se mostraram favoráveis à regulamentação, sobretudo por conta da necessidade de trazer segurança e responsabilidade ao uso da ferramenta no Brasil.

 

LEIA TAMBÉM:

 

De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), o Projeto de Lei reacende um debate que começou em 2019, e ganhou força com a abertura de uma Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), na Casa, em meados do ano passado. A discussão também se estende pela Europa e Estados Unidos. Por aqui, uma das principais preocupações é para que não haja conflitos com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e para que exista também uma conformidade com a Lei das Eleições, tema já abordado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

A advogada especialista em Direito Digital e Privacidade de Proteção de Dados, Cristina Rios, pontua que ter uma lei específica para a Inteligência Artificial no Brasil é importante para a transparência e a responsabilidade no desenvolvimento e aplicação dos algoritmos. “Eu vejo com bons olhos a iniciativa de regulamentar a Inteligência Artificial no Brasil. Que, se for bem elaborada, pode trazer benefícios substanciais ao garantir o uso ético e responsável da tecnologia, ao mesmo tempo em que ela vai proteger os direitos individuais”, destacou a advogada.

 

No entanto, na opinião de Cristina, a regulamentação deve oferecer diretrizes éticas que assegurem a equidade e que andem lado a lado com a LGPD. “A compatibilização do projeto de lei com a Lei Geral de Proteção de Dados é uma preocupação central, considerando que ambas as legislações tratam de aspectos relacionados à privacidade e ao uso de dados pessoais. A LGPD estabelece princípios, direitos e deveres para o tratamento de informações pessoais, enquanto o projeto de lei sobre a IA busca regulamentar o uso dessa tecnologia, que muitas vezes envolve o processamento de dados pessoais. Uma das preocupações que devemos ter é garantir que as disposições da lei estejam alinhadas e não entrem em conflito com os princípios estabelecidos pela LGPD. Ambas as legislações devem coexistir de maneira a assegurar a proteção de dados e a privacidade dos indivíduos”, pontuou a especialista.

 

De maneira resumida, a IA é um campo da Ciência da Computação que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento de máquinas e programas computacionais capazes de reproduzir o comportamento humano na tomada de decisões e na realização de tarefas, desde as mais simples até as mais complexas, a exemplo do famoso ChatGPT. Em geral, ferramentas como essa possuem uma vastidão de dados - sobre os mais diversos assuntos - que são analisados e trabalhados de maneira digital, a fim de extrair conhecimento útil à humanidade a partir de um conjunto de informações. 

 

A presidente da Comissão Especial em Inteligência Artificial da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tatiane Nogueira, afirmou que a regulamentação é importante e não é um debate exclusivo do Brasil. “Estamos indo para uma corrida pela liderança em IA no mundo. Aquele país que tiver uma regulamentação apropriada com relação ao desenvolvimento da IA, vai sair na frente. A gente precisa ter aspectos de responsabilização, então se eu faço um sistema que usa IA para extrair conhecimento dos dados, eu posso ter, por exemplo Fake News. Se os dados são ruins, a extração vai ser ruim. A gente brinca que não existe resultado bom com dados ruins. Por isso a regulamentação é importante para responsabilizar aqueles que desenvolvem IA sem cuidado que deveriam ter”, afirmou a doutora em Inteligência Artificial.

 

A especialista destaca que a regulamentação ainda está em fase de desenvolvimento e que, por isso, ainda existem algumas questões que precisam ser bem avaliadas, uma vez que ela interfere no setor jurídico e tecnológico que, teoricamente, são distintos. “Por exemplo, se você faz um Projeto de Lei só com o aspecto jurídico, você perde um pouco do aspecto tecnológico. Se você faz uma regulamentação só com aspecto tecnológico, você perde um pouco do aspecto jurídico. Então, por isso que nesse processo a gente tem muitas comunidades, comissões e associações envolvidas para que a gente possa evitar danos futuros ocasionados pela regulamentação”, pontuou a presidente da Comissão Especial em IA da SBC.

 

Presidente do TSE Alexandre de Moraes (à esquerda da foto) ao lado do presidente do Senado Rodrigo Pacheco | Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

 

IA NAS ELEIÇÕES

Na última sexta-feira (19), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que espera aprovar a regulamentação da IA até o meio do ano, ou seja, antes das eleições que começam em outubro. Especialistas brasileiros e estrangeiros temem que a tecnologia seja usada, em diferentes países, para forjar gravações e imagens que possam enganar o eleitorado. O tema, inclusive, foi um dos focos do encontro anual do Fórum Econômico Mundial encerrado também no dia 19. Na semana passada, o TSE realizou audiências públicas para discutir regras que valerão para as eleições municipais de outubro. Na opinião de Cristina, a implementação de uma legislação específica para o uso da IA no âmbito das eleições, com foco em evitar a desinformação, é fundamental para preservar a integridade do processo democrático. 

 

“Ao combater a desinformação, a legislação vai incentivar uma participação mais informada dos eleitores e isso é importante para que as escolhas sejam feitas nas urnas, elas reflitam verdadeiramente a vontade da população, além da redução de manipulação e influência indevida. Também deve haver uma proteção da reputação dos candidatos, já que haveria garantias de que informações falsas não seriam usadas para prejudicar candidatos. Também será possível fomentar a transparência, pois regras claras sobre a divulgação de informações e fontes podem aumentar a transparência durante o período eleitoral. E, por fim, eu acho que isso também ajuda a fortalecer a confiança na democracia, pois ao reduzir a desinformação, a legislação vai contribuir para o fortalecimento da confiança dos cidadãos no sistema democrático. No entanto, é importante mais uma vez encontrar o equilíbrio entre a regulamentação e a liberdade de expressão”, declarou a advogada.

 

Doutor em Ciências Sociais, especialista em Direito Eleitoral e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jaime Barreiros vê com bons olhos a regulamentação, principalmente na área eleitoral. Ele pontua que o Direito Eleitoral busca preservar a legitimidade da democracia e cita que a própria Lei das Eleições (n° 9.504/07) autoriza a Justiça Eleitoral a fazer essa regulamentação.

 

“A legitimidade passa pela possibilidade do eleitor formar suas convicções com liberdade. Então a partir do momento em que a inteligência artificial e as novas tecnologias podem ser utilizadas de forma a enganar um eleitor, levar à desinformação, fazer com que o eleitor não tenha condições de discernir sobre o que é verdade ou que é mentira, algum tipo de providência tem que ser tomada. Então, nesse sentido, é a própria lei 9.504, que é uma lei federal, autoriza a Justiça Eleitoral a fazer essa regulamentação”, afirma Jaime Barreiros.

 

RISCO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

No entanto, o especialista pondera que apesar da regulamentação dar um parâmetro do que pode ou não ser feito, a própria evolução tecnológica torna imprevisível saber até que ponto exatamente a tecnologia pode atuar, uma vez que a regulamentação é aberta. “No que está se propondo, pode existir um espaço aí para interpretações indesejadas. Então isso pode ser ruim a partir, por exemplo, do momento em que a resolução diz que qualquer uso de Inteligência Artificial poderá ser objeto, eventualmente, de uma ação da Justiça Eleitoral, e poderá ser proibido ou combatido. Existe uma margem de interpretação que pode ser perigosa”, afirmou o professor da Ufba.

 

Jaime Barreiros ainda destacou acreditar que a existência de uma regulamentação prévia e objetiva não viola a liberdade de expressão, do contrário vem para garantir que ela exista. Na opinião dele, a verdadeira ameaça à liberdade de expressão é justamente quando não há lei alguma que aborde esse tema de maneira ao invés de transferir essa responsabilidade para a decisão de um juiz, por exemplo.

 

“A partir do momento em que você tem uma regulamentação prévia dizendo, exatamente, qual é o limite do uso dessa tecnologia, eu vejo como uma vantagem. É melhor que a gente já tenha uma previsibilidade do que tenha um poder amplo para decidir sobre qualquer coisa, sem que exista um parâmetro. Então a regulamentação não viola, ao meu ver, a liberdade de expressão. Até porque o parâmetro que está se buscando, não é para controlar conteúdo, por exemplo. O que está se buscando é justamente que essa ferramenta não seja utilizada de uma forma a desinformar, a manipular o processo de formação das opiniões do cidadão”, destacou o especialista em Direito Eleitoral, pontuando que, se não houvesse nenhuma regulamentação, abriria-se o precedente para que “um juiz eleitoral ou alguma autoridade pudesse tomar uma decisão que possa ameaçar a liberdade”.