Publicado em 29 de janeiro de 2024 por Tribuna da Internet
Elio Gaspari
O Globo/Folha
Não deu outra, 24 horas depois do anúncio do programa Nova Indústria, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, anunciou que a Viúva poderá botar pelo menos R$ 2 bilhões num projeto de recriação da indústria naval. Assim, a geração de Lula será a única que financiou quatro polos navais. Os três anteriores foram a pique.
Mercadante diz que “nós precisamos fazer navios, já fizemos.” Tem toda razão. No século XVII, na Ilha do Governador, construiu-se o galeão Padre Eterno, que pode ter sido o maior barco do mundo. Na mesma fala o doutor informou: “Tivemos uma indústria pujante de construção naval nos anos 70.” Pujante ela era, mas quebrou. Os polos navais quebram porque quando se lança um novo programa não se revisita a causa da ruína dos anteriores.
POLO DE JK – O primeiro polo naval da segunda metade do século XX foi criado por Juscelino Kubitschek. Afundou, mas uma parte da conta foi para os estaleiros. O segundo polo, “pujante”, surgiu no governo Costa e Silva e cresceu com Ernesto Geisel. Danou-se, mas a conta fez um percurso interessante.
Os bancos que financiavam o plano recebiam papéis avalizados pela Viúva. Era um negócio tão bom que um burocrata deu um chá de cadeira de 40 minutos no banqueiro Leopold Rothschild. A primeira denúncia de que alguns desses contratos eram extorsivos vinha de 1971.
Do outro lado do balcão, os bancos emprestaram a estaleiros que iam mal das pernas. Como os papéis eram garantidos pela Viúva, um só banco brasileiro emprestou 100 milhões de dólares a empresas que iam mal. Em 1984 o polo quebrou, e a Viúva não honrou seus avais. Um armador carioca matou-se.
Depois do naufrágio, o mico dos chamados “papéis podres” foi reciclado, virou moeda real e serviu para arrematar empresas estatais de boa qualidade. Assim, o banqueiro que investiu num mau negócio dos estaleiros protegidos pela Viúva, assenhoreou-se de boas empresas da própria senhora.
MALFEITORIAS – O terceiro polo, de Lula 01, nasceu em 2003 e tinha dois braços. Um construiria navios e o outro daria plataformas marítimas para a Petrobras. A primeira denúncia de malfeitoria partiu em 2004 e veio de José Eduardo Dutra, presidente da Petrobras. Tratava-se de uma disputa na qual estavam de um lado a estatal e a Odebrecht. Do outro, as empreiteiras Camargo e Andrade Gutierrez.
Os estaleiros nacionais tiveram dias de esplendor, chegaram a empregar milhares de pessoas. Criou-se uma empresa para construir dezenas de plataformas oceânicas para a Petrobras e ela se chamou Sete Brasil. Armadores estrangeiros entraram no negócio e chegou-se à gracinha de dar agrément ao presidente de um estaleiro de Cingapura para a função de embaixador de seu país no Brasil.
Na Petrobras, as licitações foram cartelizadas e as encomendas foram superfaturadas. Essa história da Lava-Jato mostrou e acabou em mais de uma dúzia de confissões e cadeias. Uma delas foi a de Antonio Palocci, o ex-ministro da Fazenda de Lula. Ele contou à Polícia Federal que propinas de fornecedores eram canalizadas para o Partido dos Trabalhadores.
SEM INVESTIGAR – A colaboração de Palocci foi divulgada às vésperas da eleição presidencial de 2018 pelo juiz Sergio Moro. Moro viria a ser ministro do presidente Jair Bolsonaro. Suas revelações, algumas das quais eram irresponsáveis, não foram investigadas direito.
O primeiro navio do polo de Lula 01 adernou quando entrou no mar. As roubalheiras resultaram na desmoralização do projeto, no colapso de três grandes estaleiros. Um deles devia R$ 4 bilhões. Cerca de 82 mil trabalhadores perderam seus empregos.
Passou o tempo, o Supremo Tribunal Federal julgou Sergio Moro um juiz suspeito e, nos anos seguintes, decidiu invalidar sentenças, confissões e multas. Assim como no desastre do polo naval da ditadura, a responsabilidade ficou difusa, mas o prejuízo ficou concentrado na Bolsa da Viúva.
SEM RESPONSABILIZAR – Mercadante tem razão quando diz que o Brasil sabe fazer navios, o que o andar de cima do Brasil não faz é responsabilizar burocratas delirantes e larápios contumazes que corroem as iniciativas dos governos.
O Brasil já soube fazer navios. Uma das lendas de uma História mal contada é a de que Portugal proibia a existência de indústrias no Brasil. Até hoje não se explicou como um estaleiro da Ilha do Governador, no Rio, construiu em 1665 o galeão “Padre Eterno”.
Segundo uma edição do jornal Mercúrio Portuguez da época, era “o mais famoso baixel de guerra que os mares jamais viram”. O “Padre Eterno” naufragou anos depois na rota das Índias, e Salvador de Sá ficou injustamente esquecido.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Com todo o respeito a Elio Gaspari, não é Mercadante que deseja um novo polo naval. Trata-se de ordem direta de Lula, que o presidente do BNDES foi obrigado a acatar, mas só destinou R$ 2 bilhões, que não dão para nada, mas servem para embromar o presidente lunático. (C.N.)