segunda-feira, janeiro 29, 2024

A raposa no galinheiro




Irã na presidência de grupos sobre direitos humanos e armas da ONU parece piada, mas as vítimas da teocracia não estão rindo. 

Por Lygia Maria 

Sabe-se que o poder de alcance da Organização das Nações Unidas é limitado, vide a invasão do Iraque pelos EUA sem a aprovação do Conselho de Segurança. Assim como a política doméstica, a geopolítica envolve acordos e concessões que parecem contraditórios e frustrantes.

De todo modo, trata-se da entidade cuja missão é garantir a segurança global e promover os direitos humanos. Nesse sentido, a relação da ONU com o Irã causa no mínimo espanto e, no limite, indignação por aqueles que foram alvo das atrocidades cometidas pelo regime teocrático e por quem luta contra ele.

Após a Polícia da Moralidade matar Mahsa Amini por não usar o véu como deveria, em setembro de 2022, a onda de protestos que varreu o país foi reprimida com milhares de presos e centenas de mortos. Para investigar violações, a ONU instituiu uma missão independente de apuração, que foi rechaçada pelo Irã.

A missão constatou diversas violações aos direitos humanos. O relator especial da ONU sobre o Irã, Javaid Rehman, disse que as ações do governo poderiam ser enquadradas como crimes contra a humanidade.

Um ano depois, quem foi indicado para presidir o Fórum Social do Conselho de Direitos Humanos do órgão? O Irã. Sim, parece piada.

E não para aí. Sabe-se que o país apoia, até com fornecimento de armas, grupos terroristas, como o libanês Hezbollah e o palestino Hamas, e rebeldes, como os houthis no Iêmen. O diretor da Agência Internacional de Energia Nuclear da ONU diz que é temerária a escalada iraniana no enriquecimento de urânio, cujo volume ultrapassou em 15 vezes os limites de acordados em 2015. O risco é que Teerã seja capaz de produzir bomba atômica.

O que faz a ONU? Permite que o Irã presida a Conferência do Desarmamento entre março e maio deste ano.

Seria cômico, se não fosse trágico. Ao colocar a raposa para cuidar do galinheiro, a ONU avilta o sofrimento das iranianas e sua própria missão, além de fornecer respaldo simbólico a uma teocracia assassina.

Folha de São Paulo