Por Victoria Azevedo | Folhapress
Na semana em que líderes da Câmara dos Deputados ameaçaram não votar a MP (medida provisória) que reestruturou a Esplanada dos Ministérios do governo Lula (PT), em maio, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), chegou a oferecer o próprio cargo ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e a lideranças do centrão.
Descrita como tensa, a reunião simboliza o clima que permeou todos esses meses de aliança entre o esquerdista Lula e os vários partidos de centro-direta e de direita que ele buscou para ter apoio no Congresso Nacional.
Eleito com uma base de esquerda que conquistou apenas um quarto das cadeiras da Câmara, Lula distribuiu desde a transição até setembro deste ano 11 ministérios a União Brasil, MDB, PSD, PP e Republicanos —os dois últimos integrantes do centrão que foram o sustentáculo do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Apesar disso, a relação é altamente instável e repleta de episódios de nervos à flor da pele.
Neste fim de ano, a cúpula da Câmara já fez chegar a Lula uma nova insatisfação com Padilha. Houve o pedido de um nome de fora do PT para a articulação política, mas o presidente afagou o subordinado, que evitou comentar o assunto. De qualquer forma, o indicativo é de um 2024 não menos tenso na relação do governo com o Congresso.
No momento da reestruturação da Esplanada, os líderes partidários também criticavam a postura de outros ministros, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT).
Segundo relatos, na reunião com Lira e outros líderes, Padilha questionou quais eram os motivos para os deputados se recusarem a votar a MP. Perguntou se o bloco queria "a cabeça" dele ou de outros, como a dos colegas Rui Costa e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e indicou que levaria a Lula a demanda, para que o presidente deliberasse.
De acordo com participantes, os parlamentares teriam afirmado que era preciso que o governo acelerasse a liberação de emendas e nomeações de cargos, como havia sinalizado previamente.
Tida como o primeiro embate entre governo e Câmara, a possibilidade de a MP que reestruturou o governo não ser votada começou a ganhar corpo às vésperas da data de validade, 1º de junho.
Caso ela não fosse votada, a estrutura do governo voltaria a ser a da gestão Bolsonaro —37 ministérios teriam que se acomodar novamente em 23.
A ideia era deixar a MP caducar para dar um recado ao Planalto, ameaça que foi tratada inicialmente em 30 de maio na área da churrasqueira da residência oficial da presidência da Câmara —local onde ocorrem semanalmente encontros entre líderes partidários e Lira.
Segundo relatos, a tese partiu do líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA), e acabou encampada por outros.
No dia 30 à noite, líderes decidiram adiar a votação da MP. Ao longo do dia 31, Lira e Lula se falaram por telefone.
À tarde, o presidente da Câmara deu uma declaração à imprensa afirmando que havia uma "insatisfação generalizada" entre os parlamentares, mas elogiou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), dizendo que, se o resultado fosse positivo, seria graças ao petista.
Naquele dia ocorreram outras duas reuniões entre os líderes na sala da presidência da Câmara.
Guimarães relata o que teria dito em uma delas: "Sentei ali no centro [da sala] e me pediram para falar. Eu fiz um apelo. O presidente Lula me ligou e eu repassei a conversa para os líderes, afirmando que era um apelo meu e do presidente Lula e que nós queríamos votar a matéria de todo jeito".
O desempate a favor da votação veio do líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), com a justificativa de que esse seria o último voto de confiança ao Executivo. A MP foi então aprovada por 337 votos a 125.
No próprio dia 31, Elmar Nascimento se reuniu com Lula no Palácio do Planalto. Ele estava acompanhado de Guimarães. Naquele momento foi sinalizado que a União Brasil gostaria de indicar um novo nome para a Esplanada, em substituição a Daniela Carneiro —ela comandava o Turismo, mas sem o respaldo da bancada.
"Foi uma conversa transparente, olho no olho", diz Guimarães. Pouco depois, a Câmara aprovou a reforma tributária e o projeto que altera as regras do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários), prioritários para a equipe da Fazenda.
Esse período é considerado um segundo grande ponto de tensão na relação.
Em 6 de julho, por exemplo, uma bateção de cabeça no Planalto gerou crise com a União Brasil e ameaçou a votação da reforma tributária.
Naquele dia, após reunião entre Lula e a ministra do Turismo, o titular da Secom (Secretaria de Comunicação), Paulo Pimenta (PT), afirmou à imprensa que Daniela ficaria no cargo até que a Câmara votasse as pautas econômicas.
A declaração irritou a bancada da União Brasil, e um grupo pediu o adiamento da reforma, iniciativa encabeçada por Celso Sabino (PA), já escolhido pelo partido para substituir Daniela, e pelo presidente da legenda, Luciano Bivar.
Cerca de uma hora depois, Padilha afirmou que o governo iria receber a indicação e que Sabino assumiria o cargo.
Lira, porém, não gostou da participação do futuro ministro no quase motim e o cobrou duramente por telefone. Passada a turbulência, e com as bênçãos de Elmar e Lira, Sabino substituiu Daniela em julho.
A votação do Carf deu início às negociações que levaram à entrada de PP e Republicanos na Esplanada, com André Fufuca (PP-MA) no Esporte e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) em Portos e Aeroportos.
A oficialização por Lula dos nomes dos dois, porém, se arrastou por quase dois meses, o que gerou irritação entre parlamentares e críticas à atuação de Padilha nas costuras.
Nesse meio-tempo, o próprio presidente se reuniu com Lira, que participou ativamente das articulações da reforma ministerial. Além de uma pasta para o PP, o petista oficializou um indicado do chefe da Câmara para o comando da Caixa.
Outro ponto destacado pelos políticos como de tensão ocorreu na reta final do ano.
Deputados atrasaram a tramitação do pacote de matérias de Haddad que elevam a arrecadação para 2024 e condicionaram a aprovação à liberação dos recursos e à derrubada de vetos presidenciais.
Apesar das queixas, há um consenso entre líderes, inclusive do centrão, de que o governo teve êxito na pauta econômica em 2023.