Dorrit Harazim
O Globo
A cada nova semana de avanço das tropas israelenses sobre Gaza, visando a aniquilar a estrutura do Hamas e, quem sabe, resgatar os cerca de 240 reféns em mãos terroristas, mais clara fica a necessidade de um compromisso. Não se trata aqui de imaginar que o fluxo da humanidade vá, de repente, se dar as mãos e formar uma base capaz de dissolver a lógica da guerra. Afinal, não são os cidadãos que desencadeiam e fazem guerras, são as lideranças políticas.
O ataque-surpresa de 7 de outubro último, com requintes de crueldade no assassinato de mais de 1.200 civis israelenses pelas Brigadas Al-Qassam do Hamas, tem contexto histórico, mas nunca terá justificativa. Representa um dos momentos mais perversos de desumanização da espécie.
ERRO DE NETANYAHU – A feroz resposta escolhida pelo governo israelense de Benjamin Netanyahu, por sua vez, tem sido de terra arrasada contra Gaza — como se a população civil do enclave fosse mero estorvo a descartar. Erro grave de um líder vulpino e astucioso como Bibi, de quem se podia esperar o pior, mas que tem se saído ainda pior que o esperado.
Contrário a qualquer sugestão de cessar-fogo, mesmo temporário visando a fornecer, água, comida e luz à massa de palestinos encurralados por bombas, Netanyahu começa a perder alianças cruciais para tempos de guerra.
Palavras contam, e o ligeiro recuo semântico dos Estados Unidos em relação à estratégia de Netanyahu sugere que o histórico apoio incondicional movido a uma ajuda militar anual de US$ 4 bilhões pode ter nuances.
REAÇÃO NO PARLAMENTO – Nesta semana, Becca Balint tornou-se a primeira congressista judia americana a somar seu nome a 32 outros deputados democratas que exigem um respiro, uma pausa humanitária. E, no futuro, quem sabe, uma conferência de paz para a criação de uma Palestina laica e não terrorista, que englobaria Cisjordânia e Gaza.
É da própria sociedade israelense, ainda atordoada e dividida, que precisará vir a pressão por uma solução de conciliação com seus vizinhos palestinos. Por ora, a exigência nacional se concentra no retorno dos reféns de mais de 40 nacionalidades aprisionados no inferno de Gaza. Destes, 31 têm mais de 70 anos, dois são crianças de 4 e 8 meses sem mãe nem pai por perto e 23 são adolescentes de menos de 18 anos. Até a sexta-feira a tropa israelense anunciou ter encontrado os restos mortais de duas reféns. Entre escombros.
TERRORISMO EM BAIXA – Segundo o veterano jornalista investigativo Seymour Hersh, que, apesar de derrapadas recentes, tem no currículo revelações históricas como o massacre de My Lai e a tortura na prisão iraquiana de Abu Ghraib, os jihadistas responsáveis pelo 7 de outubro estão com o protagonismo em baixa.
A liderança política do Hamas (que prefere nem pôr os pés em Gaza) fez saber a Israel que aceita intermediar a libertação dos reféns em troca de ser deixada em paz como grupo político.
Seu líder e negociador mais astuto, Yahya Sinwar, cumpriu 22 anos de prisão em Israel por homicídio, fala hebraico fluentemente e tem pretensões de se tornar um interlocutor indispensável.
NAÇÃO PALESTINA – Falta muito, falta quase tudo, e de qualquer ângulo que se olhe, para imaginar o nascimento oficial de uma nação palestina. Mas a História está coalhada de viradas. No auge da matança da Guerra do Vietnã, alguém imaginaria que um dia um presidente dos Estados Unidos (Barack Obama) almoçaria num botequim de Hanói a convite do saudoso Anthony Bourdain?
Por enquanto, uma das preocupações mais imediatas é com o insidioso movimento de supremacistas brancos mundo afora, que pretendem defender a causa palestina apenas para reforçar seu antissemitismo. A eles se juntarão, no extremo oposto, os colonos (cada vez mais armados) assentados em terras palestinas pelo governo de Israel.
São dois grupos humanos movidos pelo medo. E o medo, como sabemos, não nos impede de morrer — apenas impede de viver.