Publicado em 30 de outubro de 2023 por Tribuna da Internet
Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
Circula nas redes sociais a foto de dois meninos de mãos dadas, um com a camisa azul de Israel e seu quipá, e outro com a bandeira da palestina e seu lenço quadriculado. É uma mensagem utópica: a convivência fraterna entre palestinos e israelenses. O presente na Palestina é absurdamente distópico.
Na guerra da Faixa de Gaza, ambos os lados têm lugar de fala, com um rosário de argumentos para ir à guerra. Entretanto, nada justifica o ataque terrorista do Hamas ao território de Israel, nem legitima o massacre de civis palestinos, principalmente crianças, mulheres e idosos pelo Exército israelense. É uma espécie de Lei de Talião ao quadrado: olho por olhos, dente por dentes.
RETALIAÇÃO/COOPERAÇÃO – Havia um “olho por olho” na relação de Israel com seus inimigos na região. A expressão vem do holandês dit vor dat, “este por esse”, que corresponde à expressão latina quid pro quo — “uma coisa pela outra”. Consiste numa política que alternava retaliação ao Hamas, sempre que houvesse uma agressão, e cooperação tácita, após o cessar-fogo.
Essa estratégia enfraquecida pela Autoridade Palestina inviabilizou a criação de um Estado palestino independente e possibilitou a colonização de territórios ocupados por Israel na Cisjordânia. Entretanto, saiu do controle. O Hamas se fortaleceu e promoveu o violento ataque terrorista, que pegou de surpresa o governo de Benjamin Netanyahu.
VITÓRIA ANUNCIADA – Não há dúvida de que Israel será vitorioso contra o Hamas, graças ao seu poder bélico, que inclui armamento nuclear, e o apoio militar e diplomático dos Estados Unidos, que inicia a ação dos demais inimigos de Israel, principalmente o Irã.
O pronunciamento de Netanyahu mostra a disposição de levar a guerra às últimas consequências, ou seja, reduzir a Faixa de Gaza a escombros. A ofensiva em Gaza foi tratada pelo governo de Israel como uma segunda guerra de independência.
É uma remissão à Guerra do Yom Kippur, em 1973, quando a Síria e o Egito invadiram Israel, cujo bastidor é retratado no filme Golda — A mulher de uma Nação, com a atriz Helen Mirren. O diretor Guy Nattiv conduz uma narrativa para mostrar um modo de fazer política no qual o objetivo de salvar o país e resgatar seus soldados presos, porém, nunca esteve descolado da ambição de conquistar o reconhecimento diplomático e um acordo de fronteira com o principal agressor, o Egito.
LIMPEZA ÉTNICA – 50 anos depois, uma retaliação de Israel ao Hamas ganha contornos de limpeza étnica, com a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza, que só não ocorreram porque as fronteiras com o Egito estão fechadas. Em tese, só haverá paz quando a sede de vingança for ultrapassada pela consciência dos horrores da guerra.
E as crianças que aparecem na foto, qual o destino delas? Sem um acordo de paz que possibilite a erradicação do terrorismo e a criação do Estado palestino, serão inimigas pelo resto de suas vidas?
Em setembro de 2015, a imagem de outra criança viralizou nas redes sociais: o corpo de Alan Kurdi, de 3 anos, amanheceu numa praia da costa da Turquia.
A OUTRA FOTO – A imagem do bebê na praia chocou a opinião pública mundial e desnudou a tragédia humanitária que ocorre no Mediterrâneo, com milhões de refugiados. Abdullah Kurdi, com mulher e dois filhos, naufragou um bote de borracha no qual embarcara em Bodrum, na Turquia, para chegar a Cós, ilha grega no Mar Egeu.
O objetivo da família era migrar para o Canadá e começar uma nova vida, com a ajuda de Teema, tia do menino, que lá trabalhava como cabeleireira em Vancouver. Apenas Abdullah sobreviveu. Poderiam ter feito esse trajeto de avião, mas não tinham passaportes.
Assim como os curdos da Turquia, os palestinos da Faixa de Gaza são tratados como párias.