quinta-feira, outubro 19, 2023

Ajuda humanitária para Gaza vai criar um campo lotado de refugiados famintos

Publicado em 19 de outubro de 2023 por Tribuna da Internet

Caminhões com ajuda humanitária de ONGs egípcias para palestinos aguardam a reabertura da passagem de Rafah, no lado egípcio, para entrar em Gaza

Caminhões com ajuda humanitária ainda estão aguardando

Vinicius Torres Freire
Folha

Um grande caminhão-pipa pode carregar 20 mil litros d’água. Em uma situação de “emergência humanitária”, um mínimo do mínimo de água tratada por pessoa seria de 7,5 litros por dia, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) — para beber e comer, basicamente.

Dada a população de Gaza, estimada em 2,23 milhões, seriam necessárias 835 viagens de caminhões-pipa, por dia, para que as pessoas tivessem ao menos aquela ração mínima de água para situações de catástrofe — guerra, terremoto, furacão etc.

AJUDA HUMANITÁRIA – Essa aritmética rudimentar do horror serve para ilustrar um comentário sobre a possibilidade de que caminhões de ajuda humanitária ora no Egito entrem em Gaza, por permissão de Israel.

A tripa de terra sitiada tira quase toda sua água de poços e de dessalinização, parados porque a única usina elétrica do território parou, por falta de diesel industrial (que vinha de Israel); o fornecimento da empresa de água de Israel obviamente parou também.

Tira-se água de poços por gambiarras. Segundo a agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA), a água nos mercados (estocada) é “muito limitada” e vários abrigos da UNRWA estão a seco. A agência da ONU diz que, nesta quarta-feira (18), abrigava 513.507 pessoas, um quarto da população de Gaza.

DIZ ISRAEL – O governo de Israel disse em nota desta quarta-feira que “não vai impedir assistência humanitária do Egito, desde que seja apenas comida, água e remédios para a população civil que vive no sul da Faixa de Gaza [ou foge para lá] e desde que esses suprimentos não cheguem ao Hamas”.

A nota dizia ainda que não vai permitir ajuda de Israel para Gaza enquanto os reféns [do Hamas e da Jihad Islâmica] não forem libertados. Essa concessão se deve ao fato de os Estados Unidos estarem dando “vasto e vital apoio ao esforço de guerra [de Israel]” e porque Joe Biden pediu, se lê no comunicado.

De acordo com vídeos, relatos locais, de agências de notícias e do Crescente Vermelho, haveria de 170 a 200 caminhões prontos para levar comida, remédio e água por meio da passagem de Rafah, que fica nos 12,7 km da fronteira de Gaza com o Egito, a única que não é controlada por Israel. Os pátios dessa passagem, que é uma espécie de alfândega e centro de triagem de migração, têm disso sido bombardeados, assim como as avenidas que dão acesso ao local.

TESTE DE BIDEN – De início, 20 caminhões do Egito entrariam em Gaza, um “teste”, disse Biden a jornalistas. Talvez cheguem lá na sexta-feira (20), em viagens supervisionadas pela ONU.

Segundo o governo do Egito, é preciso consertar as instalações e ruas da passagem. Se funcionar, estrangeiros também presos em Gaza poderiam sair para o Sinai, segundo o ministro egípcio do Exterior, Sameh Shoukry, disse à TV Al Arabiya (de uma empresa de mídia saudita).

Para quem está no desespero ou mesmo à beira da morte, é algum alívio. Não está claro se Gaza vai receber combustível, que talvez sirva para religar algum gerador e tirar água de poços. Gaza não tem eletricidade além da fornecida por geradores de hospitais e serviços públicos, ainda assim intermitente.

SOLTAR OS REFÉNS – Não haverá “ajuda” que saia de Israel, diz o governo de Netanyahu enquanto Hamas e Jihad Islâmica não soltarem os reféns que capturaram durante os massacres em Israel, recorde-se. Não vai acontecer, é uma aposta quase certa.

Logo, o bloqueio, o sítio, vai durar muito tempo. Logo, será preciso que os palestinos fujam para o sul de Gaza, em massa. Logo, será preciso que outros países forneçam ajuda em escala industrial, se é que a logística permite tamanho fluxo.

De qualquer modo, pode ser um meio de facilitar a invasão da parte norte de Gaza. Quem quiser ajuda vai precisar viver em um campo de refugiados hiperlotado, ainda à míngua.