Publicado em 18 de setembro de 2023 por Tribuna da Internet
Deu em O Globo
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem diante de si a oportunidade de rever a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que anulou o acordo de leniência firmado pela Odebrecht com o Ministério Público na Operação Lava-Jato. Isso porque foi desmentido um dos principais argumentos usados por Toffoli para tomar a decisão — a alegada inexistência de um pedido oficial de cooperação jurídica das autoridades do Brasil às da Suíça, país de onde veio a maior parte das provas usadas contra a Odebrecht.
Depois de negar ter encontrado qualquer pedido, o Ministério da Justiça enviou nesta semana ao Supremo um ofício afirmando ter localizado a solicitação feita pelos procuradores.
DOCUMENTO ACHADO – No ofício, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do ministério afirma ter encontrado a demanda feita pelo Ministério Público em junho de 2016, seis meses antes do acordo de leniência, fechado em dezembro daquele ano.
A própria Odebrecht aceitou entregar, como parte do acordo, toda a contabilidade das propinas pagas a autoridades e políticos no mundo todo, mantidas por seu Departamento de Operações Estruturadas nos sistemas digitais identificados como MyWebDay e Drousys.
Visto que a entrega foi voluntária, como consta dos termos do acordo, os procuradores não precisaram esperar a chegada das senhas de acesso da Suíça para analisar as provas (elas chegariam só em outubro de 2017).
NOVA NARRATIVA – É estranho que hoje a defesa da Odebrecht — e dos réus vinculados à empresa — afirme que os procuradores deveriam ter esperado a chegada das senhas para firmar o acordo de leniência, pois a mesma defesa aceitou entregá-las na ocasião. Os advogados alegam que na época houve coerção, justificativa endossada por Toffoli em sua decisão com termos duros como “tortura” ou “pau de arara”.
Em que pesem as hipérboles e a ênfase do ministro em seu despacho, a descoberta do pedido de cooperação às autoridades suíças é suficiente para despertar dúvidas sobre a decisão. Sem dispor da informação correta, Toffoli pode muito bem ter sido induzido a erro.
Afinal, trata-se de acordo que resultou na admissão de crimes, ressarcimento de R$ 3,8 bilhões pela Odebrecht e de R$ 3,1 bilhões pela Braskem (controlada pela Odebrecht). Boa parte do dinheiro foi devolvido nos Estados Unidos e na própria Suíça, com o aval das respectivas autoridades. Odebrecht e Braskem ainda pagaram multas bilionárias pelos acordos fechados nos dois países.
RECURSO OPORTUNO – Por tudo isso, cabe aos ministros do Supremo analisar com serenidade o recurso da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contra a decisão de Toffolli. Dadas as nuances e a complexidade do caso, é fundamental que novos olhares se debrucem sobre todos os argumentos, de modo a chegar a uma conclusão ponderada, que não ponha em risco todas as provas entregues pela Odebrecht. Não apenas porque elas representam a verdade sobre fatos criminosos, mas também porque sua descoberta representou um dos maiores avanços do Brasil no combate à corrupção.
A análise do recurso poderá ser feita pela Segunda Turma, encarregada dos processos da Lava-Jato, ou pelo próprio plenário. Quanto mais ministros do STF puderem se pronunciar a respeito do assunto, mais segurança o Brasil terá de que a decisão tomada será justa e correta.
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P.S.: A Odebrecht enviou a seguinte manifestação ao Globo: “A Odebrecht esclarece que nunca participou ou se manifestou nessa ação ou em outra recentemente relacionada. E também não fez qualquer comentário pela imprensa sobre a decisão divulgada na semana passada”.