Carlos Pereira
Estadão
Escrevo essa coluna de Buenos Aires, Argentina, onde vim apresentar um artigo intitulado “Por que a democracia brasileira não morreu?”, escrito em conjunto com Marcus André Melo, no painel “Democracia, Direito e Populismo na América Latina” no 27º Congresso Mundial da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA).
Durante o Congresso da IPSA tive a oportunidade de assistir à Mesa Redonda, “Revisitando O’Donnell em uma era de retrocesso democrático”, em homenagem ao destacado cientista político argentino Guillermo O’Donnell, que ofereceu notáveis contribuições sobre o estado burocrático-autoritário e, especialmente, estudos sobre processos de transições para a democracia.
CRISE DA DEMOCRACIA? – Em 2006, em seu discurso de aceitação do prêmio pelo conjunto de sua obra recebido no Congresso da IPSA em Fukuoca no Japão, O’Donnell se questionou: “A democracia está em crise?”
Sua resposta foi a seguinte: “A democracia está em crise perpétua (…) temos que considerar que a democracia sempre estará em algum tipo de crise. A democracia está constantemente redirecionando o olhar do cidadão de um presente mais ou menos insatisfatório para um futuro de possibilidades ainda não realizadas. Isso ocorre porque a democracia é mais do que um tipo de arranjo político valioso. É também o sinal notório da falta. É uma perpétua ausência de algo mais, de uma agenda sempre pendente que clama pela reparação…”
Essa interpretação de crise permanente ou perpétua da democracia não poderia ser mais atual. Em vários países democráticos ao redor do mundo, independentemente de seu arranjo institucional, as instituições políticas não têm desfrutado da confiança dos seus cidadãos, especialmente entre aqueles que fazem parte do lado perdedor.
MAL-ESTAR GENERALIZADO – Existe uma percepção de mal-estar generalizado em relação às instituições democráticas… como se algo estivesse fora do lugar… como se as instituições políticas não fossem capazes de lidar com seus conflitos perpétuos de forma democrática e pacífica… como se a democracia não fosse aguentar…
Entretanto, como lembra o historiador francês Pierre Rosanvallon, no livro “Counter-Democracy: Politics in the Age of Distrust” (Política na Era da Desconfiança), a erosão da confiança dos cidadãos nas instituições políticas e seus representantes é o princípio básico que norteia a democracia e seus conflitos.
Portanto, seria impreciso aceitar a percepção de desconfiança dos cidadãos como necessariamente ruim ou sinônimo de fracasso das instituições democráticas. Muito pelo contrário, a percepção de crise permanente da democracia pode ser interpretada como se as suas instituições estivessem exercendo o seu papel, mesmo que de forma não eficiente. Se não fosse assim, a democracia seria muito mais instável e quebraria muito mais frequentemente do que de fato temos observado no mundo.