Monica Gugliano
Estadão
Passados seis meses do 8 de janeiro, o Alto-Comando do Exército continua enredado numa trama da qual afirma, dia sim, outro também, não ter participado institucionalmente, mas que corrói sua imagem e envolve seus oficiais sem trégua e sem descanso: um plano para dar um golpe, impedindo a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Poderia dizer que, pisando todos os dias em terreno minado e sem saber onde estará enterrado o próximo artefato explosivo que jogará tudo pelos ares, os oficiais têm recorrido à tática da escovinha. É um exercício de concentração extrema que se aprende nos treinamentos militares e que, à falta do equipamento específico, pode salvar a vida do combatente que, com uma escovinha, uma vareta, movimentará com suavidade a terra onde pisa, palmo a palmo até encontrar, ou não, a mina enterrada.
EXÉRCITO APARTIDÁRIO – Nestes tempos, têm faltado braços e argumentos para limpar a área e achar as minas que, dia sim, outro também, disparam estilhaços para todo lado. “Fomos totalmente capturados pelos assuntos políticos. Tragados pela percepção do golpismo”, disse ao Estadão o chefe do Estado-Maior do Exército, general Fernando José Sant’Ana Soares e Silva, segundo homem na linha de comando.
“Nós, o Exército, nunca quisemos dar nenhum golpe. Tanto não quisemos, que não demos. Não houve uma única unidade sublevada”, esclarece o general, em uma de suas raras entrevistas.
Setores da população, da política e do establishment intelectual que compartilham a ideia de que a Força nunca perdeu a ambição política, prossegue ele, não aceitam a ideia de que o Exército é “apartidário e apolítico” e, por mais esforços que sejam feitos, esses conceitos continuam caindo no vazio.
FAKE NEWS – As redes sociais são muito atuantes e se perde uma energia infinita tentando desmentir ou separar o que é verdade das fake news”, explica o general Soares.
Não que o Exército, assinala ele, não tenha o que dizer e o que mostrar à sociedade. Militares atuaram e continuam atuando no auxílio aos Yanomamis e outras tribos na Amazônia; combatendo o garimpo; criando projetos para a indústria de defesa, definida agora como um dos setores primordiais para a reindustrialização, tudo isso segue em discussão e análise e outros tantos programas e ações prosseguem em marcha. Mas caem no vazio, em meio à boataria.
“As Forças Armadas não se envolveram em atos golpistas. Muitos militares da reserva podem ter atuado nesse ou naquele sentido. Entretanto, nós, não”, afirma.
GOVERNO PARAMILITAR – O problema número um é que não caem no esquecimento facilmente os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, no qual militares da ativa e da reserva participaram da administração e silenciaram diante das ameaças golpistas, de intervenção armada feitas quase que todos os dias pelo comandante-em-chefe.
O segundo problema é pouca gente, tida como minoritária e radical, que não parece esquecer que, em algum momento, ainda que estivesse completamente equivocada, se viu próximo a tomar o poder, embora em nenhum momento o Alto-Comando tivesse feito qualquer sinalização de que poderia aderir a qualquer “maluquice” desse tipo.
Foi com esse espírito que marcharam na Esplanada e participaram dos atos de vandalismo e tentativa de golpe do 8 de janeiro. Foi com esse espírito que acamparam na frente dos quartéis, desafiando a Constituição e pedindo intervenção federal.
TROCA DE MENSAGENS – Também é esse espírito que a Polícia Federal encontra nas trocas de mensagens entre os celulares do então ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro, Mauro Cid, e seus asseclas, como o coronel Jean Lawand Junior, com quem dividia planos de golpes roteirizados e com lances completamente estapafúrdios.
“Não haverá como mudar a imagem da Força se, nós, dentro, continuarmos a nos dividir. Se esses companheiros não entenderem que a única condição viável é a da democracia. Que nós não temos o direito de usar o Exército para atividades que contrariem nossa função precípua estabelecida na Constituição.”
Nesta semana em que o Alto-Comando do Exército está reunido em Brasília para tratar de promoções e que o Tribunal Superior Eleitoral inicia o julgamento da ação de investigação judicial eleitoral que pode tornar Bolsonaro inelegível por oito anos, o clima promete esquentar entre os bolsonaristas. No Quartel-General do Exército, no entanto, a ordem é manter a normalidade, mesmo que para isso seja preciso escovar o território sem parar, para desativar minas políticas.