Felipe Bächtold e José Marques
Folha
O ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Benedito Gonçalves, responsável por fundamentar a decisão que cassou o mandato de deputado do ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e agora acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro, tem histórico de problemas com a Lava Jato —operação que tinha o parlamentar como um de seus símbolos.
Benedito, relator do pedido de cassação de Deltan e também ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), virou alvo da operação por suas relações com Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS.
INVESTIGAÇÃO – Antes mesmo da homologação da delação de Léo Pinheiro, houve a abertura de um procedimento de investigação sobre o ministro, mas a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu arquivamento por extinção da punibilidade e prescrição, segundo a Folha apurou.
O magistrado chegou a ter contra si um pedido de providências no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2015, que também acabou arquivado, no ano seguinte.
Outras menções a integrantes de tribunais superiores e ao irmão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli foram arquivadas pelo ministro Edson Fachin, também a pedido de Raquel Dodge. Nesses casos, não houve abertura de inquérito.
GONÇALVES SE CALA – Procurado pela Folha por meio das assessorias do STJ e do TSE desde quarta-feira (17), Benedito Gonçalves não se manifestou.
Ao negociar acordo de delação, Léo Pinheiro afirmou que conheceu o ministro em 2013 e que se reuniu com ele para discutir disputas judiciais envolvendo a construtora no STJ; e que até o início de 2014 Benedito julgou favoravelmente em duas causas que a empresa pleiteava.
Disse que houve pedidos de Benedito por apoio a sua postulação a ministro do STF, que à época estava com cadeira vaga. “Na época, o ministro buscava angariar apoio no meio empresarial para a sua candidatura ao STF e, durante os nossos encontros, trocamos algumas impressões sobre os caminhos que ele deveria seguir na sua candidatura”, disse Léo Pinheiro no relato.
FAZENDO LOBBY – Em mensagens, de acordo com o ex-presidente da OAS, Benedito lhe pediu “empenho e dedicação” ao seu “projeto”; e em encontros solicitou que Léo Pinheiro falasse com políticos com quem tinha relação.
Em determinado trecho do relato, o empreiteiro afirmou que, em 2014, a construtora contratou o cartório onde um filho do magistrado trabalhava no Rio de Janeiro, para serviços de autenticação e reconhecimento de firma, com pagamentos mensais da OAS de R$ 5.000 a R$ 7.000.
Também afirmou que o ministro pediu que atendesse sua esposa, que é advogada e queria oferecer serviços profissionais para a construtora. A contratação não se concretizou, de acordo com o delator, que também mencionou pedido de ingressos para a final da Copa do Mundo de 2014 — o que não foi atendido.
COMPARTILHAMENTO – A proposta de delação na qual consta o relato sobre o ministro do TSE foi compartilhada entre procuradores do Ministério Público Federal da Lava Jato no aplicativo Telegram. As mensagens e os arquivos como o dessa delação, aos quais a Folha teve acesso, foram obtidos pelo site The Intercept Brasil em 2019.
A delação é um meio de obtenção de prova que, pela atual legislação, não pode, isoladamente, fundamentar sentenças sem que outras informações corroborem as afirmações feitas.
Na investigação que prendeu Léo Pinheiro em 2014, a equipe da Lava Jato interceptou troca de mensagens do celular em que ele pergunta ao ministro Benedito se iria ao aniversário do ministro Dias Toffoli. Na conversa, eles também marcaram encontro no Rio.
CONTATOS FREQUENTES – O relatório de análise das mensagens feito pela Polícia Federal disse que “Léo Pinheiro mantinha contatos frequentes com o ministro Benedito Gonçalves, a ponto de o mesmo solicitar atendimento para seu filho, tendo Léo Pinheiro escalado para tal tarefa o advogado da OAS, Bruno Brasil”.
A revelação dessas conversas, em reportagem da revista Veja em 2015, causou constrangimento ao atual ministro do TSE. Líderes de partidos de oposição na época, como PPS, DEM e PSDB, cobraram explicações públicas de Benedito e Toffoli sobre a relação com o empreiteiro.
“Coloca em suspeição os julgamentos nas cortes”, disse o então deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR).
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É justamente esse ministro que está funcionando como relator e escreveu um parecer com mais de 400 páginas para destruir o que ainda resta de Bolsonaro. É certo que o ex-presidente não é flor que se cheire, mas é um erro abominável condená-lo com provas inadequadas, como expôs aqui na Tribuna o jurista Jorge Béja, um dos raros que têm notório saber e reputação verdadeiramente ilibada. (C.N.)