Publicado em 30 de abril de 2023 por Tribuna da Internet
João Gabriel de Lima
Estadão
No dia em que Francisco Prestes Maia terminou seu mandato em São Paulo, um carro o esperava à frente do gabinete do prefeito, que ficava na Rua Libero Badaró. O político dispensou o motorista, caminhou até o Viaduto do Chá e pegou o bonde logo adiante, na Rua da Consolação. Prestes Maia, prefeito de São Paulo entre 1938 e 1945, abriu mão das mordomias do cargo assim que saiu dele. A anedota é narrada no livro A Capital da Vertigem, de Roberto Pompeu de Toledo.
No episódio, Prestes Maia rejeitou o carro e preferiu o transporte público. Na vida política, fez o contrário. Foi dele o plano de avenidas que se espraiam do centro para os bairros periféricos – as “radiais” –, num desenho que em tudo privilegia os carros. Poucos paulistanos sabem que essa escolha, feita décadas atrás, é responsável pelos congestionamentos que enfrentam hoje.
CIDADE DE 15 MINUTOS – Em Lisboa, onde moro, a prefeitura decidiu seguir o caminho oposto. A capital portuguesa irá adotar o mesmo plano de Paris: a “cidade de 15 minutos”. A ideia é que o morador faça tudo que precisa sem gastar mais que um quarto de hora em deslocamentos.
O projeto inclui ênfase na locomoção a pé ou de bicicleta, imóveis de uso misto – residencial e comercial – e melhoria constante do transporte público. E a Câmara de Lisboa ouvirá cidadãos sobre o projeto a partir da próxima semana.
“A ideia da cidade espalhada, que privilegiava o carro e separava residencial de comercial, marcou o urbanismo modernista, do qual Prestes Maia foi um dos expoentes”, diz o arquiteto Vinícius Andrade. “O urbanismo contemporâneo é totalmente diferente. Hoje em dia o modelo de cidade adensada é uma unanimidade.”
CONSENSO POLÍTICO – É uma unanimidade que independe de ideologia. O presidente da Câmara de Lisboa (equivalente ao prefeito), Carlos Moedas, é de direita – e o projeto que o inspira é o de Paris, governada pela socialista Anne Hidalgo. Segundo Andrade, a ideia da “cidade de 15 minutos” – propagada pelo urbanista colombiano Carlos Moreno – é, antes de tudo, um slogan, que engloba as boas práticas do urbanismo contemporâneo.
O Plano Diretor de São Paulo, concluído na Prefeitura de Fernando Haddad, vai na mesma direção de adensamento e transporte coletivo. Novamente, a unanimidade independe de ideologia.
“Projetos anteriores, concebidos por urbanistas do PSDB, já falavam em ‘cidade de 30 minutos’”, diz Andrade. “A ideia já inspira várias outras metrópoles brasileiras”. Se Paris e Lisboa miram os 15 minutos, o paulistano fará festa se um dia conseguir resolver seus compromissos em menos de meia hora.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – No papel, os projetos funcionam que é uma beleza. Na prática, o caos avança. A região metropolitana de Paris já tem 12 milhões de habitantes, incluindo guetos de imigrantes na periferia, o transporte público é um problema gravíssimo. Já a grande Lisboa tem cerca de 3 milhões, é bem mais fácil de administrar. Assim, o que dificilmente dará certo em Paris pode funcionar em Lisboa. (C.N.)