Mais um estudo mostra que a noção de morte da democracia não se sustenta
Por Marcus André Melo* (foto)
Muitos analistas afirmam em tom apocalíptico que a satisfação com a democracia entrou em colapso, a confiança em políticos, partidos e governos ruiu, e o sentimento populista explodiu. "Tudo isso soa assombroso. Mas pelo menos no que se refere às atitudes e preferências do cidadão europeu comum nada disso é verdadeiro." A conclusão é de Larry Bartels em "Democracy erodes from the top: leaders, citizens and the challenge of populism in Europe" (Princeton, 2023).
Referência central na área de opinião pública e teoria democrática, Bartels examina as tendências em 23 países europeus (350 mil entrevistados), entre 2000 e 2019 —período no qual teria ocorrido mudança nas atitudes e nas preferências do eleitorado. Encontra imensa estabilidade global e volatilidade isolada; mas alerta que os casos discrepantes recebem destaque desproporcional. O argumento que movimentos de opinião pública não são preditores de crise da democracia também foi defendido por Adam Przeworski, ao lembrar que, seis meses antes do golpe de Pinochet, 73% dos chilenos eram contra a medida.
Como mostra Bartels, o apoio a democracia em autocracias como a Venezuela e a China é similar àquele nas democracias.
Bartels estima o chamado "sentimento populista" com uma base de dados para um eleitorado com 785 milhões de votantes reais ou potenciais, relativa a 43 eleições. As evidências contrariam a explicação canônica: a onda populista não pode ser explicada por mudanças na opinião pública após a crise da zona do euro e o choque imigratório de 2009 a 2012.
Os níveis de satisfação com a democracia, com os serviços públicos ou de apoio à União Europeia são ligeiramente maiores depois da crise do que antes. Tampouco há evidência de grades mudanças no autoposicionamento esquerda versus direita ou no apoio à redistribuição. O sentimento quanto à imigração no eleitorado não se alterou.
A erosão institucional, nos casos isolados em que é bem-sucedida, é deflagrada de cima. Orbán, o caso canônico, tornou-se líder do Fidesz, um partido de centro, não do Jobbik, o partido da direita radical da Hungria.
A oferta de partidos populistas aumentou, mas na média são partidos pequenos, cuja votação cresceu apenas 10% no período, o dobro do ocorrido entre 1980-2000, ou no pós-guerra; sempre houve uma parcela de direita radical girando em torno de 1/5 e 1/6 do eleitorado. A democracia é tensionada devido a líderes que mobilizaram esta reserva crítica em conjunturas específicas e em ambientes institucionais vulneráveis.
A visão difundida de crise e morte das democracias, já discutida aqui na coluna, é contundentemente rechaçada em mais uma contribuição seminal.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Folha de São Paulo