segunda-feira, maio 29, 2023

A corrupção e o "rouba, mas faz". Faz por quem?

 


Hyago Otto, Oficial de Justiça
Publicado por Hyago Otto
há 6 anos
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Manchetes de corrupção já não deixam o brasileiro estarrecido. E não é culpa do cidadão, mas da quantidade de casos que todos os dias tomam os noticiários e não causam o mesmo impacto que outrora.

O contribuinte, descrente e amortecido, apenas se cansa de assistir as manchetes. Mas por que, de um tempo para cá, isso se tornou tão corriqueiro?

O início de tudo seja, talvez, aquilo que confere o Poder aos principais envolvidos: o voto. Em um regime representativo, o eleito fala por seus eleitores; isso significa poder: decidir os caminhos de uma sociedade, impor sanções, regulamentar atividades.

Portanto, escolher errado é colocar o Poder na mão de quem não deveria tê-lo; o resultado é evidentemente catastrófico. Afinal, "se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder" (Abraham Lincoln).

Mas errar uma vez não basta. É comum ver corruptos sendo eleitos, reeleitos e ganhando novas oportunidades de apoderar-se de bens públicos de quatro em quatro anos.

Há uma clara problemática que atinge não só a conduta dos indivíduos, mas a forma de escolha (sistema proporcional) que gera a eleição de quem não é votado; isso enfraquece a democracia e o senso de participação popular.

Isso não significa que a democracia deva ser absoluta, ou que se trata de um sistema perfeito, mas se o cidadão sente que sua vontade não reflete na vontade do Estado, a tendência é que ele não mais se interesse pelo que é feito, sentindo-se impotente.

Por isso, slogans como "rouba, mas faz" passam de piada a uma trágica realidade, em que o eleitor passa a escolher aquele que "rouba menos" ou o que, ao menos, faz algo de bom. Só que é pouco provável que algo de bom advenha de um corrupto com poder nas mãos.

Mesmo as obras públicas, com aparente finalidade coletiva, serão mera forma de enriquecimento ilícito e obtenção de ainda mais poder. A corrupção é como um vício para o corrupto, que vê em cada trâmite burocrático uma brecha, em cada obra pública uma oportunidade e em cada contribuinte uma cifra a ser usada para enriquecer a si e a seus correligionários.

Cair em descrédito em relação a tudo é o que o corrupto mais deseja; o indivíduo, cansado de ser achincalhado, adota uma postura passiva, não se importando com a corrupção sistêmica e generalizada: vota nulo ou, pior, vota no político que lhe concede benefícios pessoais. Assim, o cidadão entra no jogo, mas se esquece que aquele que lhe dá com uma mão lhe toma com a outra.

Aí, passa a reclamar de quão ruim é a situação do país e quão baixo é o retorno da alta carga tributária paga. Nada é de graça.

Cada milheiro de tijolos entregues a um eleitor equivale a, pelo menos, dois ou mais que serão subtraídos dos cofres públicos para "ressarcir" o candidato corrupto eleito. O mesmo vale para qualquer outro benefício de caráter individual, inclusive cargos públicos.

Não há, evidentemente, como comparar pequenas e grandes corrupções (há, sim, uma grande diferença de montantes, embora a conduta ímproba seja igualmente censurável). Só que jogar o jogo facilita, e muito, a vitória dos maus.

Outros fatores são igualmente essenciais para a verificação do atual quadro em que o Brasil se encontra.

burocracia excessiva dificulta a fiscalização e pouco ajuda na coibição das práticas escusas. Por outro lado, torna os meios mais onerosos que os fins.

Ademais, tal poder de regular tudo e todas as atividades sob o argumento de bem-estar coletivo gera sempre a possibilidade de auxílio aos "amigos do rei". Tributa-se muito para conceder crédito a juros quase zero a determinadas empresas: um total absurdo, violando os princípios da livre concorrência, da isonomia, da impessoalidade e da probidade!

É ponto chave, também, que o cidadão costuma exigir demasiados benefícios. Isso exige mais tributação e a concessão de mais funções ao Estado, que nada mais é que um conglomerado de instituições integradas por pessoas controlando o patrimônio público. Esses órgãos geralmente são dirigidos por agentes eleitos ou indicados por políticos.

Ou seja, o próprio indivíduo que reclama da corrupção concede aos corruptos ainda mais poder ao exigir mais e mais benesses. É um paradoxo pouco perceptível no primeiro momento, mas a análise facilita a compreensão do porquê de os montantes se tornarem cada vez mais vultosos.

Outrossim, quanto mais se arrecada sob o pretexto de "fazer mais pela saúde e pela educação", mais difícil fica fiscalizar o direcionamento de tributos, geralmente, sem efetiva vinculação e de aplicação discricionária. Vide os gigantescos empréstimos do BNDES, que voltavam, em parte, por meio de doação partidária em época de eleição.

O motivo expresso é sempre bom. Só que a efetiva finalidade de uma medida política raramente corresponde ao dito objetivo.

É, sim, necessário alterar a forma de exercício do voto e a estruturação dos Poderes, bem como as atribuições do Estado, a fim de diminuir a ingerência dos políticos na vida privada dos cidadãos e reduzir o poder dos eleitos.

Portanto, fica claro que uma reforma política é realmente necessária.

Difícil é crer que o Lobo Mau vai deixar os Três Porquinhos em paz sem nenhum porém.

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