Publicado em 27 de abril de 2023 por Tribuna da Internet
Luiz Carlos Azedo
Fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo, cuja mais perfeita tradução é o chamado “orçamento secreto”, fazem parte da pequena política que move o dia a dia do Congresso: as disputas parlamentares por viagens e apartamentos; as articulações de interesses privados, em detrimento das políticas públicas, nos seus corredores; as intrigas de bastidor em disputas por verbas e cargos no governo; a perversa subsunção dos partidos pelas suas bancadas.
Nesta semana, tudo isso está em segundo plano, quiçá pelos próximos meses também, porque os grandes interesses da sociedade voltaram à pauta. Por exemplo, a Câmara, terça-feira. aprovou o pedido de urgência para a votação do projeto de lei das fake news, que regula a atuação das chamadas big techs no Brasil.
ENTRA EM PAUTA – A matéria será votada diretamente no plenário da Câmara, na próxima semana, depois de três anos de tramitação do projeto originário do Senado nas comissões técnicas.
Essa é a primeira agenda estratégica para a democracia brasileira em pauta no Congresso. Um exemplo do que é a grande política trata da fundação e conservação do Estado, da manutenção de determinadas estruturas econômico-sociais ou sua destruição.
O conceito de hegemonia do pensador italiano Antonio Gramsci é bastante reconhecido, porque descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, seus aparatos ideológicos para conservar o poder: a religião, a escola, os meios de comunicação etc. No seu conceito de hegemonia, porém, o pleno exercício do poder político está associado à liderança moral da sociedade.
RETROCESSO – Numa leitura reacionária dessa abordagem, por essa razão, a extrema direita vê a ciência, a educação e a cultura como ameaças, atua no sentido de neutralizar o papel de cientistas, intelectuais e artistas na construção de uma sociedade democrática, do desenvolvimento sustentável, do acervo técnico-científico e da identidade cultural do país. Mesmo que para isso seja necessário recorrer à força.
O jornalista e cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Oliveiros S. Ferreira, já falecido, escreveu um livro sobre o conceito de hegemonia no qual se remete à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que conflagrou a Europa.
Nela, um pequeno grupo de 45 cavaleiros húngaros, com suas armaduras, durante seis meses aterrorizou o condado de Flandres, a região flamenca da Bélgica. Repete uma indagação de Gramsci sobre esse episódio: como o conseguiram? Como e por que o grande número, mais forte, se submete ao pequeno?
GOLPISMO – Ideólogo do pensamento conservador no Brasil, Oliveiros Ferreira foi um estudioso do protagonismo dos militares na história republicana e crítico do castilhismo golpista.
Num artigo para o Estadão em 1988, intitulado “O reconhecimento da derrota”, ele resgata uma carta do general Góes Monteiro ao jurista liberal Sobral Pinto, na qual o então ministro da Guerra, em abril de 1945 — ou seja, pouco antes do fim do Estado Novo —, reconhece a derrota do “partido fardado” diante de uma nação “que não compreendia e que nunca poderia compreender”. Segundo ele, porque trouxera da Escola Militar “um modelo de tirania esclarecida”.
“Eu reclamava poder, ordem, disciplina e ardor para, em 10 anos pelo menos, como recorda V.Exa., preparar a nova elite e poder modificar as condições de ignorância e miséria das massas, responsáveis pelo aviltamento da prática constitucional”, lamentava o general do Estado Novo.
TRÊS FRACASSOS – O ex-presidente Bolsonaro tentou mobilizar seus cavaleiros húngaros três vezes, no 7 de Setembro de 2019, no dia da diplomação do presidente Lula da Silva e no 8 de janeiro. Em nenhuma delas conseguiu que as Forças Armadas vestissem as armaduras.
A propósito, é bom lembrar que 8 de janeiro foi o resultado do uso das redes sociais como instrumento de mobilização para a tomada do poder, com uso generalizado de fake news e emprego de violência na ocupação dos palácios dos Poderes da República.
Esse episódio serviu para desconstruir uma visão política glamourosa e idílica das redes sociais e da internet como ferramentas avançadas e absolutas da participação no jogo democrático. Pelo contrário, a utilização perversa de algoritmos tem servido para embaralhar a consciência cívica e enfraquecer a democracia, além de fomentar a violência, inclusive entre crianças e adolescentes. É preciso mais compromisso das big techs com a ordem democrática e a construção de um ambiente social mais saudável.