Lula tenta se blindar de casos de corrupção com novo mecanismo para dar dinheiro ao Congresso
Por Thiago Resende | Folhapress
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu que a nova forma de dar mais dinheiro ao Congresso para irrigar obras e projetos nas bases eleitorais vai simular as emendas parlamentares, mas com um mecanismo novo para tentar se blindar de denúncias de corrupção.
Após separar R$ 9,8 bilhões para esse fim e criar uma rubrica específica para esse tipo de gasto, o Planalto ordenou a criação de um sistema de divulgação dos agentes públicos beneficiados pela distribuição desses recursos, de forma que eventual desgaste recaia na conta dos responsáveis por apadrinhar as verbas -que podem ser prefeitos, deputados ou senadores.
O governo orientou que ministérios reservem uma parte dos respectivos orçamentos para atender demandas de deputados e senadores, inclusive os do centrão.
O pano de fundo da criação dessa nova reserva orçamentária -e a preocupação de Lula em evitar desgastes de possíveis irregularidades no uso do dinheiro-- é a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de declarar inconstitucionais as emendas de relator. Esse tipo de recurso extinto pelo STF em dezembro de 2022 foi a principal moeda de troca da articulação política do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com o Congresso Nacional.
Com a decisão do STF, Lula passou a ser pressionado pelo Legislativo a encontrar novas formas de garantir a influência de parlamentares sobre uma fatia bilionária do Orçamento.
A salvaguarda de transparência, por sua vez, tem dois objetivos. Lula não quer ser comparado a Bolsonaro, que durante sua gestão escondeu a lista de parlamentares que se beneficiaram das emendas de relator.
Também é uma tentativa do petista de evitar ser associado a eventuais irregularidades nas obras, compras e serviços a serem realizados com os recursos agora reservados ao Congresso.
Aliados do governo dizem que, em caso de denúncias de irregularidades, a divulgação dos beneficiários servirá para evidenciar que a responsabilidade é do padrinho político do dinheiro -apesar de a verba sair do caixa dos ministérios.
A preocupação do Planalto se justifica pelo histórico de denúncias de irregularidades e de falta de transparência envolvendo as extintas emendas de relator. No ano passado, por exemplo, a Polícia Federal prendeu suspeitos de corrupção num esquema para inserir dados falsos em sistemas do Ministério da Saúde e justificar uma série de repasses, por meio de emendas de relator, para municípios.
Ainda sob Bolsonaro, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) transformou-se num dos principais instrumentos para escoar a verba recorde dessas emendas. A estatal também foi alvo de operação da PF em julho do ano passado em investigação por fraudes em licitações e desvios de verbas federais.
Como a Folha mostrou, Lula tem repetido a aliados não querer enfrentar outro escândalo como o do mensalão --principal caso de corrupção do primeiro mandato do petista e até hoje fonte de desgaste para o partido.
Quando o STF acabou com as emendas de relator, metade da quantia prevista para esses recursos em 2023 foi transferida para outros tipos de emendas (as individuais). O restante voltou para o orçamento dos ministérios.
Dessa forma, sete ministérios de Lula incorporaram R$ 9,8 bilhões que originalmente seriam usados como emendas de relator. O montante foi alocado nos orçamentos dos seguintes ministérios: Agricultura, Cidades, Desenvolvimento Social, Educação, Esportes, Integração e Saúde. A parcela dada a cada pasta foi uma escolha feita por líderes do Congresso no fim do ano passado. A divisão foi acatada por Lula ao sancionar o Orçamento em janeiro.
No mês seguinte, o governo colocou um carimbo orçamentário específico para separar esses R$ 9,8 bilhões dos demais recursos das pastas. No jargão técnico, esse dinheiro passou a ser identificado com o código A4.
O Ministério do Planejamento afirma que a rubrica específica foi criada porque há uma trava em relação ao uso dessa verba. Se Lula quiser fazer um remanejamento e destinar esse dinheiro a áreas diferentes do que a definida pelo Congresso, precisará de autorização legislativa.
"Como não há identificação na lei que permita sua distinção das demais, o Ministério do Planejamento e Orçamento colocou um código específico, A4, nesses recursos", informou a pasta.
O procedimento para a liberação desse dinheiro ficará a cargo do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) --decisão publicada junto com as regras para execução de emendas parlamentares neste ano. A escalação de Padilha para a função mostra que o gasto dessa verba seguirá uma orientação definida pela área política.
Procurada, a Secretaria de Relações Institucionais disse que, até o momento, nenhum centavo desses R$ 9,8 bilhões foi usado. A pasta afirmou ainda que haverá a devida transparência na execução desses gastos -com divulgação de onde o dinheiro foi aplicado e quem foi beneficiado.
"O governo ainda prepara internamente os critérios técnicos e o processo administrativo para a execução desses recursos, que ocorrerão de maneira republicana, transparente e de acordo com as prioridades da população brasileira, como o fim da pobreza e crescimento econômico", disse a secretaria comandada por Padilha.
"O papel da Secretaria de Relações Institucionais nesse processo é o de estimular, junto aos entes federados, aos parlamentares e ao conjunto da sociedade, a apresentação de projetos para uso desses valores, em conformidade com a legislação", afirmou a pasta.
Integrantes do Palácio do Planalto e do Congresso confirmam que a verba será usada para atender a pedidos de parlamentares, principalmente na Câmara dos Deputados, onde Lula sofre resistência do centrão.
Líderes do centrão têm reclamado da demora do Palácio do Planalto em apresentar o formato de divisão desse dinheiro. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), querem ter clareza de como funcionará o novo mecanismo de negociação política.