Criado em Harvard, o Conselho de Liberdade Acadêmica é importante iniciativa em defesa da liberdade de expressão. Nos dias de hoje, há quem queira sufocar a diversidade
Historicamente, as universidades sempre foram espaços de liberdade. Em razão de sua finalidade de pesquisa, ensino e diálogo, o ambiente acadêmico precisa ser profundamente livre, onde professores e alunos se sintam genuinamente estimulados a apresentar suas descobertas, seus pontos de vista, suas impressões e também suas dúvidas. A produção de conhecimento sério envolve essa abertura a novas perspectivas e hipóteses, num cenário de confiança e de respeito à pluralidade.
No entanto, a liberdade acadêmica, que deveria ser conatural a todas as atividades e projetos de toda instituição universitária, sofre nos tempos atuais especial resistência e oposição. De forma sintomática, mais de 70 docentes da Universidade Harvard viram a necessidade de criar o Conselho de Liberdade Acadêmica de Harvard, que se dedicará a acompanhar e a promover a diversidade intelectual e as liberdades de pesquisa e de expressão.
Em artigo publicado no jornal Boston Globe, os professores Steven Pinker e Bertha Madras expuseram os motivos para a criação da nova entidade. “Há muitas razões para pensar que a repressão à liberdade acadêmica é sistêmica e precisa ser combatida ativamente”, afirmam. Para eles, a repressão às diferenças de opinião observada nas universidades, de forma similar às inquisições e expurgos de séculos atrás, é um dos motivos para a queda da confiança no ensino superior americano. Como exemplo, relatam a viralização de vídeos com professores sendo perseguidos, xingados, debochados e, às vezes, até mesmo agredidos.
Citado no artigo, estudo da Foundation for Individual Rights and Expression (Fire) nas universidades americanas relata, entre 2014 e 2022, 877 tentativas de punir acadêmicos por expressões cujo uso, em tese, estaria protegido constitucionalmente. Dessas tentativas, 60% resultaram em sanções efetivas, com 114 casos de censura e 156 demissões. “Mais do que durante o macartismo”, dizem Pinker e Madras.
Isso, no entanto, é apenas a ponta do iceberg. “Para cada docente punido, muitos outros se autocensuram, cientes de que poderão ser os próximos”, constatam os autores. O mesmo ocorre com os alunos, que não se sentem confortáveis em expor suas ideias. Em Harvard, mais da metade dos discentes tem receio de opinar sobre temas controvertidos em sala de aula.
No artigo, os dois professores lembram um aspecto fundamental sobre o tema: “A liberdade acadêmica não é apenas uma questão de direitos individuais de professores e alunos”. Ela está inserida na própria “missão de uma universidade, que é buscar e compartilhar a verdade”.
Há uma vinculação direta entre a liberdade de expressão e a busca pela verdade. Afinal, ninguém é infalível ou onisciente. Todos precisam ser expostos ao contraditório. Da mesma forma, não há ideias ou hipóteses infalíveis. Todas elas têm de ser debatidas e confrontadas. “A única maneira pela qual nossa espécie conseguiu aprender e progredir foi por meio de um processo de conjectura e refutação: algumas pessoas lançam ideias, outras investigam se são sólidas e, no longo prazo, as melhores ideias prevalecem”, afirmam Pinker e Madras. Por isso, suprimir o debate, mesmo em temas aparentemente consensuais, pode ser extremamente prejudicial para a sociedade.
Como é evidente, essas tensões não estão presentes apenas no ambiente universitário americano. A liberdade de expressão é ameaçada diariamente por discursos com pretensão de hegemonia, por suposta superioridade moral ou intelectual. São tempos realmente estranhos, em que a sociedade parece refém de extremos. Há os que, sob pretexto de liberdade de expressão, querem impunidade total para seus crimes. E há os que, sob pretexto de ideais civilizatórios, desejam calar quem pensa de forma diferente, reprimindo ou mesmo criminalizando a diversidade intelectual.
É preciso preservar a liberdade acima de modismos, respeitando e fomentando a pluralidade de ideias. Sem liberdade acadêmica, impede-se não apenas a produção de conhecimento. A própria dignidade humana é sufocada.
O Estado de São Paulo