terça-feira, março 28, 2023

Lira quer reduzir poder do Senado e trava Legislativo - Editorial




Legislativo e Judiciário aumentaram seus poderes, o Executivo, não

Mais de 50 dias após o início do ano legislativo ele continua encalacrado, desta vez pela disputa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), contra o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Lira já concentra mais poderes do que todos seus antecessores no cargo, e quer mais. Ele não quer abrir mão de um rito provisório, criado na pandemia, de levar as Medidas Provisórias diretamente a plenário, indicando seus relatores e influindo em seu tempo de tramitação e conteúdo, para depois encaminhá-las ao Senado. A pandemia terminou, mas Lira quer perenizar o dispositivo, que atende suas ambições.

A Constituição determina que as MPs sejam em primeiro lugar avaliadas por uma comissão mista em que o número de deputados e senadores é igual. Esse foi um dos pretextos usados pela subversão por Lira: se é para ter comissão mista que ela seja proporcional ao tamanho das casas, e não paritária, como manda a lei. A Câmara tem 513 deputados e o Senado, 81 senadores. A proposta requer aprovação de emenda constitucional.

Depois de vários encontros sem acordo, Rodrigo Pacheco decidiu instalar as comissões para analisar as 13 MPs editadas pelo governo Lula - nas quais estão a volta do voto de desempate no Carf, a recriação do Bolsa Família e a reorganização de ministérios. O presidente da Câmara prometeu boicotá-las. Pelo regimento, Pacheco tem o direito de indicar membros dos partidos para compô-las. Lira, por seu lado, prometeu votar as 16 MPs que restam do governo Bolsonaro e exigiu discussão conjunta com o Senado para isso.

O presidente da Câmara foi mais longe. Reuniu-se com o presidente Lula na sexta para pedir-lhe apoio a sua posição - ele sabe o que está em jogo para o Planalto e pode insinuar má vontade com as MPs. A ameaça de caducidade das medidas criada por essa situação levou Lula a realizar reunião com alguns ministros para definir uma posição. Foi decidido então que essa é uma disputa no Congresso que deve ser decidida pelo Congresso e na qual o governo não deve se intrometer.

A disputa é artificial e contrária aos interesses do país. Lira quer agora diminuir os poderes do Senado e aumentar os seus, mesmo quando a Constituição já lhe dá o suficiente. Os dispositivos que criaram as comissões mistas prescrevem que a tramitação das MPs tem de iniciar pela Câmara, o que deixa pressuposto que modificações feitas pelo Senado terão de ser reavaliadas pelos deputados, que podem ou não acatá-las.

Lira ameaça fazer esta semana um esforço concentrado para votar as 16 MPs deixadas por Bolsonaro, pelo rito anterior, ou seja, assuntos relevantes e urgentes, como contêm as MPs, serão examinadas em baciadas, com o rigor de sempre, ou seja, quase nenhum.

Depois de assenhorear-se da liderança do Centrão, com o acordo feito com o governo Bolsonaro para dar-lhe uma base parlamentar que o então presidente se recusara a compor, Lira, em troca, não encaminhou nenhum das dezenas de pedidos de impeachment contra o ex-capitão. Em troca, ganhou de presente, junto com Pacheco, os recursos do orçamento secreto. Ao coordenar o trânsito de mais de R$ 50 bilhões das emendas do relator desde 2021, construiu vasta rede de apoio a seu comando na Casa, e aval a seus interesses políticos, independente de filiações partidárias.

Lira, ao se fortalecer, ampliou a entropia das alianças intra e interpartidárias, ao dar peso, com o dinheiro das emendas, a pessoas e não tanto a partidos ou blocos. Depois que as emendas do relator foram proibidas pelo STF, um rescaldo delas (R$ 9,8 bilhões) ainda vaga pelos ministérios, mas o fato principal é que os apoios ao governo (agora, a qualquer governo) foram pulverizados mais ainda. Lula, que evita como pode antagonizar Lira, teve de liberar cargos à moda antiga para os partidos, e mesmo assim não conseguiu até agora formar uma base fiel de apoio.

As exigências cresceram, as negociações se tornaram mais numerosas - com alas de um mesmo partido, ou com caciques diversos de uma mesma legenda - e muitas vezes, como está se tornando um padrão, caso a caso. A lentidão para formar maiorias, que tem a influência das ações de Lira, é um corolário desses tipos de acordos.

Ao receber apoio de partidos de direita, centro e esquerda, o presidente da Câmara foi reeleito. Com Bolsonaro, o Legislativo aumentou seu poder e, para manter o então presidente na linha, o mesmo aconteceu com o Judiciário. O Executivo saiu diminuído e é com isso que Lula terá de lidar. Não é fácil.

Valor Econômico