Publicado em 31 de março de 2023 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
Os fatos transcorridos nesta semana sobre o problema dos juros da Selic revelam, sob o ângulo político, que eles se tornaram um instrumento de pressão de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, sobre o governo Lula da Silva, como se pode perceber claramente ao se examinar o conteúdo do mais recente comunicado do Copom à opinião pública, amplamente destacado pelos principais jornais do país.
A ameaça em aumentar ainda mais a Selic, caso a política antiinflacionária do Ministério da Fazenda não funcione, deixa evidente que o BC ,em sua atual administração, tenta tornar-se um órgão regulador acima do próprio Palácio do Planalto. Essa tendência, a meu ver, vai se verificar em forma ainda mais acentuada com o retorno ao país do ex-presidente Jair Bolsonaro, que aconteceu ontem. Ficou claro o projeto ideológico do BC a partir de uma ótica conservadora e cujo conteúdo colide com os princípios sociais voltados para o combate à pobreza e à fome, compromissos de Lula na campanha eleitoral vitoriosa.
OBSTÁCULO – Na noite de quarta-feira, numa entrevista magnificamente conduzida por Miriam Leitão, GloboNews, André Lara Resende, um dos autores do Plano real do governo FHC, e ex-presidente do BNDES, afirmou que o patamar atual de juros da Selic constitui um obstáculo para a recuperação da economia brasileira. Depois de tentar abordar o problema de juros na base de exemplos históricos, André Lara Resende foi conduzido por Miriam Leitão para definir a sua ideia sobre a atual taxa Selic.
Ele a condenou, sustentando que representa um empecilho ao desenvolvimento econômico voltado para recuperar os atrasos que recentemente atingiram a economia brasileira com reflexo no poder popular de consumo. Acentuou que tal taxa nas alturas fomenta o aumento dos juros no mercado financeiro e com isso há uma crise de crédito que está causando efeitos negativos a uma série de empresas.
MAIS ALTOS DO MUNDO – André Lara Resende afirmou que os juros reais cobrados no Brasil são os mais altos do mundo, na escala de 8%, calculada a diferença entre 13,75 e a inflação de 2022 que pelo IBGE alcançou 5,7 %. Lara Resende previu também um maior caso de dificuldades empresariais no panorama do país em função dos juros altos.
A questão dos juros altos em nosso país, envolvendo famílias e empresas está bem focalizada na reportagem de Renan Monteiro e Pedro Guimarães, O Globo desta quinta-feira. No texto, há a informação de que tanto as empresas quanto as famílias estão pagando no momento os maiores juros desde 2017. Importante a matéria, como também a entrevista com André Lara Resende na GloboNews. Miriam Leitão tornou o depoimento de Lara Resende mais elástico e mais real, não permitindo que ele ficasse apenas na teoria e na cultura econômica.
ÂNCORA FISCAL – O ministro Fernando Haddad concluiu a proposta a ser apreciada pelo Congresso da nova âncora fiscal que calcula e conduzirá ao superávit financeiro em 2025 através de um processo que limita o aumento das despesas em até 70% do crescimento das receitas. O Globo e a Folha de S. Paulo deram grande destaque ao assunto. No O Globo, a reportagem é de Manuel Ventura, Álvaro Gribel e Ivan Martinez-Vargas. Na Folha de S. Paulo, a matéria é de Idiana Tomazelli e Alexa Salomão.
O projeto de nova âncora ou regra fiscal – os nomes são variados, mas os problemas são os mesmos – condicionam o aumento da despesa à elevação da receita, mas não leva em conta o custo do déficit social brasileiro que está contido na miséria, na fome, na falta de saneamento, na falta de consumo de água potável. É fácil ver as consequências, mas é difícil resolver os problemas que se acumulam há décadas.
O BC, por exemplo, nada tem a ver com o déficit social. Ele opera no mundo financeiro. A âncora fiscal, como está sendo usada, sobretudo pelo Bacen, volta-se somente para o mercado financeiro onde destaca-se a mão do tigre. Não está voltada para a população do país, cuja pobreza deveria envergonhar os que operam na base de lucros imediatos sem destinar seus recursos para projetos econômicos capazes de criar empregos, salários, vínculos com a Previdência Social e ao FGTS. Quanto maior forem a sonegação e incentivos fiscais exagerados, maiores serão os níveis da pobreza e da miséria.