Rafael Moraes Moura
O Globo
O Ministério Público Militar (MPM) decidiu manter sob sigilo as apurações envolvendo a participação de integrantes das Forças Armadas nos atentados golpistas de 8 de janeiro, que culminaram com a invasão e a depredação da sede dos três poderes, em Brasília. A equipe da coluna recorreu à Lei de Acesso de Informação (LAI) para tentar obter acesso à íntegra das apurações preliminares (“notícias de fato”, no jargão jurídico) e dos inquéritos policiais militares que estão no MPM no bojo das investigações dos atos antidemocráticos que chocaram o País.
Os dois pedidos foram negados sob a alegação de que os casos “tramitam sob sigilo”, “em razão da existência nos autos de documentos classificados com acesso restrito pelos órgãos até então demandados, o que impede o deferimento de seu (sic) solicitação”.
OITO APURAÇÕES – Até o início do mês, o MPM já havia aberto oito apurações preliminares contra oficiais que participaram dos atos golpistas do mês passado.
A equipe da coluna apurou que ao menos quatro dessas apurações tratam da participação de militares nos atos. Um outro caso trata especificamente da atuação do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e do 1º Regimento de Cavalaria de Guarda (1º RCG), responsáveis pela segurança do Palácio do Planalto.
O envolvimento de militares na fuga de manifestantes após participação dos atos antidemocráticos em Brasília também é tema de uma outra frente de investigação em andamento no MPM. Só que a relação completa de investigados ou os indícios de crimes cometidos por cada um seguem sendo um mistério, apesar do interesse público em torno do tema.
SIGILO É UM ERRO – “O MPM erra ao impor sigilo total às notícias de fato e prejudica o acompanhamento das ações do órgão em relação ao 8 de janeiro. As notícias de fato são, essencialmente, denúncias apresentadas ao órgão por qualquer pessoa ou outro órgão. Elas não são ainda procedimentos de investigação, e não necessariamente darão origem a um”, opina a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji.
“No caso dos inquéritos policiais militares, o sigilo faz sentido sobre os que estão em andamento, para não prejudicar as apurações. A partir da conclusão delas, porém, o sigilo deve ser aplicado a uma ou outra parte do documento (dados pessoais, informações relacionadas a outras investigações ainda em curso)”, acrescentou.
Até agora não foi oferecida nenhuma denúncia formal contra os investigados. Questionado a respeito pela equipe da coluna, o MP Militar respondeu apenas que “poderá dar publicidade do resultado” das investigações.
SEM JUSTIFICATIVA – Para o advogado Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj, o sigilo é exceção e só se justifica quando ainda houver diligências em curso, para não comprometer o êxito das investigações.
“Mesmo assim, o fato de haver determinados documentos ‘classificados com acesso restrito’ não deveria servir como escudo para não compartilhar parte das investigações”, ressalta
O MPM já recebeu um inquérito policial militar concluído pelo Comando Militar do Planalto, que indiciou o coronel da reserva Adriano Testoni por ofensas contra as Forças Armadas e injúria contra os integrantes do Alto Comando da Força Terrestre.
“Bando de generais filhas da p***. Vão tudo tomar no c*. Vanguardeiros de merda. Covardes. Olha o que está acontecendo com a gente”, disse Testoni ao participar dos atos antidemocráticos, ao lado de uma manifestante que ele identifica como sua mulher. “Esse nosso Exército é uma merda”, postou o militar.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Moraes acaba de decidir que os militares serão investigados pelo Supremo (leia-se: Polícia Federal). Isso significa que o Ministério Público Militar terá de transferir os processos para a Procuradoria-Geral da República. Vai dar uma briga danada, e desta vez Moraes está certo. Os militares envolvidos têm de ser investigados pela Justiça civil, na forma da lei. Mas será que isso acontecerá? (C.N.)