Publicado em 4 de fevereiro de 2023 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
Marcos do Val, Anderson Torres, Daniel Silveira, Valdemar Costa Neto e mais um general, cujo nome ainda não apareceu, são incríveis personagens do golpe que tinha como objetivo violar as urnas e manter Jair Bolsonaro no poder. A entrevista do senador Marcos do Val à GloboNews na tarde de quinta-feira, francamente, foi estarrecedora.
O episódio narrado pelo parlamentar, levado pelo ex-deputado Daniel Silveira ao ex-presidente Jair Bolsonaro com o objetivo de torná-lo o executor de uma manobra tão sinistra, relata uma passagem absolutamente irresponsável.
SILÊNCIO – Bolsonaro ainda não se pronunciou sobre o assunto, apesar de sua extrema urgência. Afinal de contas, ele queria que Marcos do Val marcasse um encontro com Alexandre de Moraes e, de posse de um aparelho eletrônico, gravasse a conversa a ser conduzida para colher alguma declaração informal capaz de comprometê-lo no processo eleitoral como presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
A história é de um absurdo inédito, alguém receber de um então presidente a ideia de envolver um ministro do STF para ele fizesse alguma declaração que poderia ser interpretada como confissão de um rumo ilegal qualquer. Os personagens que surgiram até agora eram Anderson Torres, que prestou um longo depoimento à Polícia Federal na tarde de quinta-feira, Daniel Silveira, ex-deputado que está preso e Valdemar Costa Neto, que tentou aparentemente banalizar o texto de decreto encontrado na residência de Anderson Torres, e que seria assinado pelo próprio Bolsonaro numa manobra quase inverossímil.
No O Globo, matéria sobre o assunto de Patrick Camponês, Marianna Muniz, Aguirre Talento, Daniel Gullino, Jussara Soares, Manoel Ventura e Alfredo Mergulhão. Na Folha de S. Paulo, também de ontem, uma entrevista do próprio Marcos do Val a Thaísa Oliveira e João Gabriel na qual ele afirma que no encontro no qual foi levado por Daniel Silveira a Jair Bolsonaro, ele só ouviu o relato do ex-deputado.
NARRATIVA CONFUSA – Mas a ideia era invalidar as eleições e prender o ministro Alexandre de Moraes, afirmação feita literalmente pelo senador. O senador Marcos do Val além de sem complicar, estabeleceu uma narrativa confusa, deixando uma dúvida se o encontro com Bolsonaro foi no Palácio do Alvorada ou na Granja do Torto. O senador parece até um personagem que se encontra em dúvida consigo mesmo, mas confessa ter participado do evento tenebroso.
O plano, contudo, faz sentido porque teria sido desfechado antes da invasão e das depredações de Brasília. Atos, que na visão dos golpistas e do golpismo, seria capaz de mobilizar o Exército e sustentar um golpe militar fraudando o regime democratico e a vitória de Lula da Silva nas urnas de outubro. Não surgiu o nome do general que seria integrante do grupo fanático.
Fanatismo a tal ponto que desencadeou a denúncia e ao mesmo tempo a confissão do senador Marcos do Val. A invasão de Brasília que sucedeu a queima de automóveis e ônibus no dia 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, e que terminou com uma tentativa de invadir o prédio da própria Polícia Federal, confirma a loucura só proporcionada pelo fanatismo da extrema-direita brasileira.
REPERCUSSÃO – Os que projetaram tal solicitação ou concordaram com ela, não tinham realmente noção das consequências desencadeadas. Neste momento, inclusive, a repercussão das declarações de Marcos do Val envolvendo o ex-presidente da República estão alcançando repercussão mundial e refletindo-se também, é evidente, na permanência de Jair Bolsonaro nos Estados Unidos. Tanto que o próprio Bolsonaro começou a examinar a hipótese de uma cidadania sua na Itália por descendência familiar.
Logo, Bolsonaro no fundo sente-se ameaçado de qualquer decisão judicial brasileira e está pensando inclusive na hipótese de asilo político. Porém, hipótese improvável, pois ele não foi vítima de qualquer ato do governo Lula ou de medida que pudesse ser interpretada como restrição à sua liberdade e ao seu direito político vigente até agora.
Além disso, ele viajou espontaneamente para Orlando, onde recebeu o ex-ministro Anderson Torres, acusado de ter substituído forças de Segurança da capital do país para facilitar a invasão dos depredadores. A destruição de bens públicos é uma característica do fanatismo da extrema ideológica: ao invés de construir, destrói.
DESDOBRAMENTOS – O episódio marcado por do Val terá desdobramentos, sem dúvida alguma, e a situação de Bolsonaro se complica junto com Anderson Torres e o próprio ex-deputado Daniel Silveira. Valdemar Costa Neto é um enigma. Na minha impressão, ele faz um jogo duplo e no fundo expõe mais do que oculta.
Mas falta ainda citar o ex-governador de Brasília afastado, Ibaneis Rocha, acusado de omissão e sobretudo conivência com a selvageria que explodiu no Distrito Federal. Ibaneis Rocha, inclusive, reconheceu a própria culpa ao pedir desculpas ao presidente Lula da Silva pelo ocorrido em Brasília. Lula não aceitou as desculpas.