Igor Gielow
Folha
A denúncia do senador Marcos do Val (Podemos-ES) acerca de um complô golpista com participação de Jair Bolsonaro (PL) escancara aquilo que era dito com meias palavras por políticos que tiveram acesso ao então presidente recluso no Palácio do Alvorada após sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Uma central golpista operava naquele ambiente pesado, típico da mentalidade bunker que acompanha o político desde sua campanha vitoriosa em 2018,. Podia ser meio Tabajara, como brincou um ministro do Supremo, dada a tosquice de procedimentos e a falta de cuidados relatadas, mas era real.
AINDA HÁ LACUNAS – Era tão corpórea que, materializada em áudios e prints de mensagens mostrados pela revista Veja, que obviamente ainda precisam ser periciados para fins legais, complica ainda mais o já enrolado ex-presidente, ora em autoexílio voluntário na Flórida de Donald Trump. Há, claro, lacunas acerca da natureza da participação de Bolsonaro, dados os vaivéns do senador.
Como a Folha relatou no fim de 2022, um desses interlocutores encontrou-se com Bolsonaro e o viu entre sombras, remoendo queixas contra o Tribunal Superior Eleitoral liderado por Alexandre de Moraes, sugerindo um enigmático “vamos vencer” enquanto ouvia ideias golpistas dos generais de seu entorno.
Em entrevista recente ao jornal O Globo, o mandachuva do PL de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, pintou um quadro semelhante, dizendo que o “cara estava desintegrando” no Alvorada. O cacique disse que o então presidente resistiu aos impulsos golpistas à sua volta, mas também admitiu de forma cândida que “todo mundo” tinha minutas de sublevação em casa.
MINUTA DO GOLPE – Era uma referência à complicação anterior para Bolsonaro, o rascunho de um decreto de estado de defesa que seria aplicado ilegalmente só sobre o TSE, melando a vitória de Lula e abrindo caminho para um golpe que foi encontrado pela Polícia Federal na residência do ex-ministro Anderson Torres (Justiça), como a Folha mostrou.
Ao fim, nada aconteceu na virada do ano. Bolsonaro fugiu para os EUA e Lula tomou posse, mas a ser preciso o relato de Do Val, a intentona dos vândalos do 8 de janeiro tem correlação exatamente com parte do plano desavisado segundo o senador pelo então mandatário e o notório bolsonarista Daniel Silveira, preso nesta mesma quinta (2).
Naquele momento, fermentavam em frente ao QG do Exército em Brasília, além de outras unidades Brasil afora, os esporos golpistas que atacaram as sedes dos três Poderes. Se não está claro exatamente o que a dupla Bolsonaro-Silveira pretendia fazer, os fatos do dia 8 mostram uma das opções.
MILITARES ENVOLVIDOS – Em situação tão ou mais complexa está a antiga ala militar do governo passado. Militares da cúpula da Defesa consideram inevitável que o general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), seja investigado pela denúncia de que instrumentos do Estado, grampos da Abin, seriam usados contra Moraes.
Dispensável dizer que o mesmo GSI abrigava as dezenas de militares agora retirados de suas funções, acusados de terem sido no mínimo lenientes, no máximo incentivadores, da ação do dia 8.
Heleno era uma das vozes rondando o Alvorada de Bolsonaro, assim como o ex-chefe da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos e o vice na chapa derrotada em outubro, Walter Braga Netto. Todos generais de quatro estrelas, topo da hierarquia, na reserva.
ATRITOS NO EXÉRCITO – Essa linha de investigação poderá gerar bastante atrito para o novo comandante do Exército, general Tomás Paiva Ribeiro, que assumiu com a missão de lancetar os focos bolsonaristas mais agudos de sua Força e estabilizar a tropa.
No Supremo, ministros afirmam que a turbulência é previsível e também perigosa, dado que o general Tomás Paiva acaba de chegar à cadeira. Mas o fato de a nova trama envolver diretamente ação contra um integrante da corte sugere inflexibilidade por parte de Moraes, com apoio dos pares.
No discurso de abertura do ano do Judiciário, a sempre discreta Rosa Weber foi bastante incisiva sobre a necessidade de cercear os movimentos golpistas que irromperam na praça dos Três Poderes, dando apoio à doutrina operacional de Moraes —que não é imune a críticas, claro.
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NOTA DA REDAÇÃO O BLOG – Excelente artigo de Igor Gielow. Resta saber se Moraes, em relação aos generais, agirá com o mesmo rigor que impõe a Daniel Silveira, um policial militar sem expressão. Esta é a dúvida. (C.N.)