segunda-feira, dezembro 05, 2022

A grande dúvida sobre a nova direita - Editorial




A nova direita eleita para o Congresso pretende ser mera extensão do bolsonarismo ou almeja fazer, desde já, uma nova política? Qual será seu compromisso com a Constituição?

Com as eleições deste ano, consolidou-se uma nova configuração políticoideológica no País. Os partidos de esquerda perderam espaço no Congresso e surgiu uma nova direita, que não tem receio de falar de temas e propostas que, até pouco tempo atrás, eram tabu no cenário nacional. São grupos e pessoas que defendem uma política informada por valores tradicionais, postulam políticas públicas com foco nas famílias, têm profundas reservas quanto à ingerência do Estado na vida econômica e social, manifestam especial preocupação com a segurança pública e o combate à corrupção e pleiteiam a manutenção da criminalização do aborto e das drogas.

Mais do que uma estrita coerência de seu pensamento político – por exemplo, algumas bandeiras ligadas a costumes chocam-se com a ideia de interferência mínima do Estado na sociedade –, a nova direita articula-se como resistência às causas consideradas progressistas. Trata-se, em boa medida, de uma rebeldia contra o chamado “politicamente correto”. Por isso, uma das grandes bandeiras da nova direita é a liberdade de expressão. São pessoas profundamente indignadas com restrições que foram se consolidando, em alguns ambientes sociais, a respeito do que seria adequado dizer. Todo esse fenômeno ganhou força com a consolidação da internet e das redes sociais.

O bolsonarismo soube tirar grande proveito eleitoral da virada da população à direita. Após incorporar ao seu discurso político a chamada pauta de costumes e aproximar-se dos evangélicos, Jair Bolsonaro mudou seu patamar eleitoral. Nas diversas eleições para deputado federal até 2010, foi eleito com cerca de 100 mil votos. Em 2014, já com o novo discurso, obteve 460 mil votos. Nas eleições seguintes, em 2018, fundiu essas bandeiras conservadoras com o antipetismo e foi eleito presidente da República.

Se Jair Bolsonaro foi oportunista ao explorar esse novo posicionamento político-ideológico da população, é inequívoco também que o bolsonarismo contribuiu para o sucesso eleitoral dessa nova direita. Mesmo não tendo sido reeleito presidente da República, Jair Bolsonaro foi neste ano importante cabo eleitoral para muitos senadores e deputados federais. E é nessa relação com Jair Bolsonaro que está uma das grandes dúvidas em relação a essa nova direita eleita para o Congresso. Ela pretende ser extensão do bolsonarismo, replicando seus métodos, ou almeja fazer, a partir de agora, uma nova política?

Essa questão pode também ser expressa da seguinte forma: a nova direita está disposta a cumprir a Constituição de 1988? A rigor, trata-se de ponto inegociável. Para participar do jogo democrático, é preciso respeitar as normas constitucionais, em especial, a separação dos Poderes, as garantias fundamentais e o específico papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito. Sabe-se bem o lado que Jair Bolsonaro escolheu. Toda sua trajetória política está marcada pelo revanchismo contra a Constituição de 1988. Não é à toa sua constante apologia da ditadura militar.

Falar em respeito à Constituição não é remeter a questões teóricas. São pontos muito concretos que estão em jogo. A nova direita vai respeitar incondicionalmente o resultado das eleições? Ou somará vozes na confusão de chamar de “liberdade de expressão” o que é puro golpismo? A nova direita vai respeitar o funcionamento livre e independente do Judiciário? Ou pretende fazer pressão política para achacar o Supremo Tribunal Federal? A nova direita vai permitir que os órgãos de controle investiguem os indícios de crime envolvendo a família Bolsonaro? Ou vai defender a impunidade sob pretexto de paz social?

As eleições legislativas de 2022 mostraram a significativa ressonância que o discurso político mais à direita tem sobre grande parcela da população. Agora, é preciso saber se essa turma é de fato democrática: se é realmente uma nova direita, comprometida com a democracia e as liberdades, ou se é mero disfarce da velha direita, retrógrada e autoritária, incapaz de lidar com quem pensa de forma diferente.

O Estado de São Paulo