Personagens ilustres mandam recado para Lula 3.0
Por Bruno Carazza* (foto)
Está sendo difícil a transição, especialmente para um economista tão famoso, sobre o qual se deposita muita esperança para a elaboração do programa econômico do novo governo.
O presidente eleito resolveu montar uma equipe eclética, com técnicos representando correntes econômicas distintas. No discurso, a proposta é explorar a diversidade de visões sobre os desafios brasileiros; na prática, porém, os diagnósticos e, pior ainda, os prognósticos entram sempre em conflito.
Para piorar, ninguém sabe muito bem o que se passa na cabeça do futuro presidente. Nas poucas vezes em que o economista teve oportunidade de se reunir com ele, a conversa é muito diferente da mensagem expressa em seus discursos e entrevistas.
A indefinição também vem da política. Para vencer a eleição, foi preciso construir uma frente ampla de apoio, que precisa ser contemplada no futuro ministério. Sobram pretendentes e faltam cargos de relevo. A briga nos bastidores do poder é sangrenta.
Como o partido do presidente está longe de possuir maioria legislativa, o presidente tem que fazer concessões para a base fisiológica do Congresso. Para o economista, as chances de termos uma era de grandes transformações se esvai dia a dia. O medo de que um governo medíocre pode levar a um retorno do período autoritário tem lhe tirando o sono.
Deixando um pouco de lado as preocupações com o país e pensando um pouco no seu próprio destino, o economista também se inquieta com o papel que pode ter na condução da futura equipe econômica. A esta altura da vida, já na casa dos sessenta anos, realizado profissionalmente e com reconhecimento internacional pela sua contribuição acadêmica, no íntimo suas expectativas são elevadas.
Não se trata de vaidade ou desejo de poder; ele já esteve no centro das decisões na juventude e não é a primeira vez que concebe um plano econômico para o Brasil. O que ele possui é uma ânsia de implementar as medidas que julga necessárias para mudar o país.
Para concretizar seus sonhos, não pode se contentar com um cargo qualquer. Depois de tantos anos, ele não voltou a se envolver com a política se não for para assumir o papel de protagonista. Assim, ser secretário, diretor ou presidente de uma estatal ou banco público é pouco - a esse nível ele já havia chegado décadas atrás. É difícil esconder que sua esperança é ser ministro da Fazenda ou do Planejamento.
Não, este texto não é uma tentativa de imaginar o que se passa na cabeça de Persio Arida ou de André Lara Resende durante este período de transição.
Essas reflexões foram inspiradas nos escritos de Celso Furtado, à época em que o economista participou da comissão que discutiu um plano econômico para o governo de Tancredo Neves, ao longo dos últimos meses de 1984 e início de 1985, publicados em “Diários Intermitentes: 1937-2002”. São impressionantes as semelhanças com o momento atual.
A meio caminho entre 1985 e 2022, Lula esteve à frente do primeiro processo institucionalizado de transição governamental na história brasileira, concebido por Fernando Henrique Cardoso.
Alguns técnicos e políticos petistas nomeados para a equipe de transição atual tiveram a oportunidade de estar presentes no Centro Cultural Banco do Brasil em 2002. As ausências mais relevantes, porém, tiveram seu futuro político destruído poucos anos depois: Antonio Palocci e José Dirceu.
Há 20 anos Lula nomeou Palocci para coordenar a transição, enquanto Dirceu se encarregou das negociações políticas.
Não havia “economistas liberais” na equipe de transição de Lula em 2002 - nenhum técnico ligado à concepção do Plano Real ou oriundo de escolas do mainstream ortodoxo. Todos os escalados eram petistas de carteirinha ou ligados ao partido: Bernard Appy, então sócio de Luciano Coutinho na LCA, Arno Augustin (secretário de Fazenda de Olívio Dutra na Prefeitura de Porto Alegre e no governo do Rio Grande do Sul), Miriam Belchior (ex-secretária de Administração na Prefeitura de Santo André/SP) e o então secretário de Planejamento de Belo Horizonte, Maurício Borges Lemos.
A ausência de “liberais” na transição não impediu Palocci de montar um time comprometido com a responsabilidade fiscal e as reformas pró-mercado quando foi convocado para comandar a Fazenda. Escolheu o mais moderado da equipe, Bernard Appy, para a sua Secretaria Executiva e nomeou Marcos Lisboa para a Secretaria de Política Econômica e Joaquim Levy para o Tesouro Nacional.
Na composição do restante do ministério, o apetite do PT era insaciável. O partido ficou com o controle da articulação política (Dirceu na Casa Civil), das principais pastas da área social (Saúde com Humberto Costa, Educação com Cristovam Buarque e Benedita da Silva na Assistência Social) e da regulação das relações trabalhistas (Jaques Wagner no Trabalho e Ricardo Berzoini na Previdência), além de Meio Ambiente (Marina Silva) e Cidades (Olívio Dutra).
Aos aliados PSB e PCdoB foram dadas pastas menores: Esportes e Ciência e Tecnologia. O PL, partido do vice José Alencar, ficou com os Transportes e Ciro Gomes recebeu a Integração Nacional.
No início de dezembro de 2002, José Dirceu costurou um acordo e chegou a anunciar que o PMDB entraria na base do governo, recebendo as pastas das Minas e Energia e Comunicações, bem como suas poderosas estatais. Dois dias depois, porém, Lula cedeu às críticas dos petistas e mandou cancelar o acordo. Dilma Rousseff (PT) e Miro Teixeira (PDT) tornaram-se os ministros.
Sem o apoio da bancada peemedebista, o governo Lula acabou tendo que recorrer ao mensalão para aprovar suas reformas. José Dirceu rodou quando o escândalo veio à tona.
Quando Palocci também caiu, abriu-se espaço para que Guido Mantega e os petistas heterodoxos conduzissem a economia do país por quase nove anos.
Celso Furtado acabou tendo que se contentar com a Embaixada do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia como prêmio de consolação, após Tancredo ter escolhido seu sobrinho Francisco Dornelles para chefiar o Ministério da Fazenda.
São lições de outras transições para a nova fase Lula 3.0.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Valor Econômico