O presidente eleito e sua equipe terão de trabalhar rapidamente para atenuar o risco real de graves problemas nas contas públicas logo no primeiro ano de mandato
Encerrada a comemoração, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tem menos de dois meses para preparar um início de governo com alguma segurança, sem risco de afundar num enorme buraco orçamentário. Um dos alertas aponta um desarranjo fiscal de R$ 280,3 bilhões, em 2023, se a nova administração tentar cumprir todas as promessas penduradas nas contas públicas. Essa estimativa é da consultoria Tendências. Projeções diferentes podem ser apresentadas por outras fontes, mas nenhuma é tranquilizadora. As bondades incluem a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, reajuste para os servidores e correção da tabela do Imposto de Renda, entre outros compromissos. Em busca de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro multiplicou, neste semestre, os gastos sociais e os cortes de impostos, para proporcionar, por exemplo, combustíveis mais baratos. A desoneração de combustíveis deve custar ao Tesouro, no ano inicial do novo governo, R$ 52,9 bilhões, segundo o levantamento da consultoria.
As bondades nem sequer cabem no Orçamento já esboçado. No projeto enviado pelo Executivo ao Congresso está previsto Auxílio Brasil de R$ 405. Mas os dois candidatos em confronto no segundo turno prometeram preservar o valor de R$ 600. Não se espera um recuo do presidente eleito. Além disso, o custo ainda aumentará, se o número de beneficiários for ampliado. Qualquer corte de benefícios terá algum custo político. A mudança menos custosa, por ser a mais fácil de justificar, talvez seja a eliminação ou redução do benefício aos consumidores de combustíveis. Pelo menos parte dessa desoneração favorece os proprietários de automóveis, em vez de se concentrar nas pessoas mais necessitadas.
Além de estourar o Orçamento projetado, as despesas e renúncias fiscais classificáveis como bondades são incompatíveis com o respeito ao teto de gastos. O presidente eleito já havia indicado, durante a campanha, a intenção de abandonar ou reformular o teto constitucional, mas sem dizer com clareza como seria a nova âncora fiscal. Com esse ou com outro nome, algum dispositivo é indispensável, no Brasil, para dar previsibilidade e confiabilidade à gestão orçamentária.
Neste ano, nem sequer se respeitaram normas básicas e de importância evidente, como a proibição de certas iniciativas em semestre de eleição. Benefícios foram concedidos amplamente e usados, sem disfarce, como jogadas eleitorais. Um retorno às normas elementares da responsabilidade fiscal já será um ganho importante para a política brasileira e para as condições de manejo das contas públicas.
O presidente eleito e seus auxiliares podem iniciar seu trabalho acompanhando a tramitação do projeto de lei orçamentária no Congresso e tentando negociar condições mais seguras para atuação do novo governo em 2023. O esforço também poderá ser mais amplo e isso dependerá das decisões estratégicas dos futuros gestores. Enfim, o trabalho de transição, previsto em lei, poderá contribuir para a nova equipe de governo planejar sua atuação a partir de janeiro.
O quadro de referências para o projeto de Orçamento inclui previsões de crescimento econômico de 2,5%, inflação de 4,5% e taxa básica de juros de 12,5% em 2023. No mercado há muito menos otimismo quanto à expansão da economia. No último boletim Focus, a mediana das projeções aponta crescimento de 0,64% para o Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano. Se esse for o avanço do PIB, a receita tributária poderá aumentar menos do que estimam os técnicos do Ministério da Economia.
As condições externas, com tensões inflacionárias e alta de juros no mundo rico, também podem atrapalhar o desempenho do Brasil. Menor dinamismo dos negócios prejudicará a receita, será inevitável, e a gestão fiscal ficará muito complicada, especialmente por causa dos benefícios prometidos na campanha eleitoral. A equipe do presidente eleito terá de ser rápida e eficiente para garantir um início de mandato com entraves fiscais menores que aqueles previsíveis neste momento.
O Estado de São Paulo